Corredor que passa por MS será rota para novo fornecedor e trará alívio para arrecadação de ICMS
O Brasil deu mais um passo para diversificar a origem de seu gás natural e reduzir a dependência do produto boliviano. A Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) confirmou, em declaração ao jornal Valor Econômico, que está pronta para escoar o gás produzido nas megarreservas de Vaca Muerta, na Patagônia argentina, por meio do Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), corredor de transporte de gás que corta Mato Grosso do Sul.
A informação confirma o apontando de que o esgotamento da produção boliviana até 2030 abriria espaço para novas rotas de fornecimento.
A possibilidade de o gás argentino chegar ao mercado brasileiro vinha sendo tratada com cautela por agentes do setor, sobretudo pela falta de uma ligação direta entre os dois países.
Atualmente, a logística é o maior entrave, já que não existe gasoduto exclusivo conectando a Bacia de Neuquén, onde está Vaca Muerta, ao Brasil. A solução mais viável, segundo especialistas, seria utilizar a infraestrutura já existente do Gasbol, construído nos anos 2000 para levar o insumo da Bolívia ao mercado brasileiro.
Essa alternativa foi confirmada pela TBG. “Essa rota interessa muito para a TBG, nenhum investimento é necessário pela empresa. Estamos prontos para Vaca Muerta”, afirmou o presidente da transportadora, Jorge Hijjar, ao Valor Econômico. O executivo ainda revelou que “a TBG escoou gás de Vaca Muerta em testes este ano”, comprovando a viabilidade técnica do transporte.
Com 2.593 quilômetros de extensão entre Corumbá (MS) e Canoas (RS), o Gasbol é capaz de transportar até 30 milhões de metros cúbicos por dia (m³/dia). Hoje, opera com volumes entre 12 milhões e 15 milhões de m³/dia, um espaço ocioso que pode ser ocupado pelo gás argentino sem comprometer o abastecimento atual. O lado argentino, no entanto, precisará receber investimentos para reforçar a rede interna e garantir envio constante.
TRATATIVAS
Em novembro de 2024, o Ministério de Minas e Energia (MME) assinou um memorando de entendimento com a Argentina para estudar formas de viabilizar a exportação. A curto prazo, estima-se uma capacidade inicial de 2 milhões de m³/dia, com potencial para atingir 30 milhões de m³/dia até 2030, volume que é equivalente à capacidade máxima do Gasbol.
O movimento ocorre em um momento de transformação do mercado regional de gás. Enquanto a Bolívia enfrenta declínio em suas reservas por falta de investimentos, a Argentina vive um boom de produção com o desenvolvimento de Vaca Muerta, considerada uma das maiores jazidas de gás não convencional do mundo. O país vizinho, antes importador, agora busca monetizar o excedente.
Para o governo de Mato Grosso do Sul, a mudança representa o fim de um ciclo histórico. Como mostrou o Correio do Estado, a arrecadação com a importação do gás boliviano, fundamental para o equilíbrio fiscal do Estado por mais de duas décadas, deve se encerrar até 2030.
O secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Verruck, destacou em entrevistas anteriores ao Correio do Estado, que MS precisa se antecipar para não perder receitas.
“É preciso pensar em alternativas que mantenham Mato Grosso do Sul no mapa da logística do gás, seja como corredor de passagem, seja como centro de distribuição”, disse.
Conforme antecipado pelo Correio do Estado em julho, outra via debatida é a construção de um gasoduto no Parguai. A Argentina e o Paraguai assinaram um acordo para viabilizar a construção de um novo gasoduto internacional, o que reacendeu as expectativas em torno da criação de uma rota alternativa de fornecimento de gás natural para o Brasil, passando por Mato Grosso do Sul.
O projeto pode transformar o Estado em um novo ponto de entrada do insumo e impulsionar a sua arrecadação com o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
O memorando de entendimento foi firmado pelos dois países e prevê a realização de estudos para transportar o gás da reserva de Vaca Muerta, na Argentina, até o Paraguai. Como revelou a reportagem da Folha de São Paulo, o plano inclui a possibilidade de que o gasoduto seja estendido até Mato Grosso do Sul, criando uma nova alternativa de suprimento para o mercado energético brasileiro.
O projeto já em estudo também teria impacto direto sobre a arrecadação sul-mato-grossense, pois aumentaria o trânsito de gás pelo território estadual, ampliando a cobrança de ICMS. “Essa integração regional pode ser um diferencial competitivo para Mato Grosso do Sul, tanto na arrecadação quanto na atração de indústrias”, avaliou Verruck, na ocasião.
O modelo em análise prevê um gasoduto com capacidade para 20 milhões de m³ diários, dos quais 10 milhões seriam consumidos pelo Paraguai e os outros 10 milhões destinados ao Brasil via Mato Grosso do Sul.
“O Gasbol tem capacidade para 30 milhões de m³ e, hoje, opera com cerca de 10 [milhões de m³] a 12 milhões [de m³]. Ou seja, há espaço para esse volume adicional, sem necessidade de grandes obras complementares no trecho brasileiro”, concluiu Jaime Verruck.
O governador Eduardo Riedel também se manifestou publicamente sobre a importância da arrecadação do gás. “Mato Grosso do Sul sempre teve uma ação importante da arrecadação do ICMS do gás, especificamente que vem da Bolívia, como fonte geradora de receita, e essa perda tem sido constante desde o ano passado, o que afeta nossa receita. A receita do gás é muito importante”, ressaltou.
EXPANSÃO
A TBG, por sua vez, trabalha em um plano de expansão da capacidade do Gasbol no trecho brasileiro, com previsão de aporte de US$ 1 bilhão. O objetivo é ampliar o escoamento em até 4 milhões de m³/dia, atendendo ao crescimento da demanda no Sul do País. “Os investimentos vão depender da demanda e, obviamente, da tarifa que os consumidores vão ter que pagar”, afirmou Hijjar.
Do lado argentino, ainda há outras opções em análise, incluindo terminais de gás natural liquefeito (GNL) e projetos de novos gasodutos ligando as áreas produtoras diretamente ao Sul do Brasil. Os argentinos podem optar por exportar via terminais de GNL a serem construídos, mas a rota pelo Gasbol é a mais rápida e de menor custo, por já estar pronta.
No curto prazo, a competitividade do gás argentino é um atrativo para a indústria brasileira. Segundo o vice-ministro de Minas e Energia da Argentina, Daniel González, o gás de Vaca Muerta é vendido a US$ 3,50 por milhão de BTUs, e esse valor pode cair ainda mais. Considerando custos de transporte, o produto chegaria ao Brasil entre US$ 4 e US$ 5 por milhão de BTUs, tornando-se uma alternativa atraente perante os preços internacionais.