Prefeitura promete estudo inédito e aponta dificuldade para que dependentes aceitem tratamento
Ainda sem um censo que possa subsidiar a construção de políticas públicas, a população de dependentes químicos só faz aumentar pelas ruas de Campo Grande. Nos bairros Amambaí e Vila Nhanhá, os usuários de drogas se espalham em grande quantidade pelas calçadas, tristemente encostados nas paredes, maltrapilhos e com faces encovadas.
Já na Mata do Jacinto, a percepção é de que os andarilhos aumentam de forma gradual. Aos poucos, novos rostos chegam a ruas como Domingos Giordano, Areti Deligeorges Vavas e Jamil Basmage. Antes de visualizar os homens que perambulam pelas vias, a reportagem avista o lixo espalhado pelas calçadas, num contraste com o restante do bairro, onde predominam residências, depósitos de empresas e a Ceasa (Central de Abastecimento de Mato Grosso do Sul).
“A dependência agora é bem mais forte. Os jovens se entregam mesmo para a droga”, afirma Carlos Coimbra, 57 anos. Ele conta que mora numa rua movimentada e à noite as pessoas se concentram, vagando para lá e para cá. Há 20 anos no bairro, ele testemunha o aumento dos usuários. “Agora, a segurança tem que ser total, principalmente à noite. Não pode ficar desprevenido. Senão invadem mesmo. Só não pode criar inimizade com eles”.
Na geografia da Mata do Jacinto, o chamado Carandiru também ocupa posição de destaque. A favela vertical é apontada como ponto de revenda da droga. A engrenagem descrita é de que os dependentes químicos vão aos grandes supermercados da região, onde conseguem que os clientes lhes doem produtos de higiene ou alimento.
Na boca de fumo, os itens viram “paradinhas”, as porções de droga. Depois, os produtos vão para a prateleira de um mercadinho e são vendidos para os moradores do esqueleto da construção do residencial. O local foi invadido há mais de duas décadas, após a falência da construtora responsável pela obra.
Na Mata do Jacinto, usuário deixa plantinhas e edredom perto de loja. (Foto: Henrique Kawaminami)
O movimento do tráfico, que acaba abastecendo os usuários, também é percebido nos comércios do bairro. Produtos como balança de precisão e saquinhos plásticos, essenciais na atividade ilegal, têm boa saída.
Dirlei Alexandre, 55 anos, relata que vê mais gente chegando para morar nas ruas da Mata do Jacinto. “São várias pessoas, principalmente à noite. De dia, fica menos gente. Já roubaram até a minha lixeira e a da casa da vizinha. E olha que era de concreto”, conta a moradora, que até desistiu de ter lixeira. “Se você põe, roubam. É complicado”.
Rede informal – Nas entrevistas, sempre sem fotos por medo de represália, os moradores relatam que até tentam formar uma rede informal de ajuda. Neste cenário, se enquadra o caso de um homem que há tempos dorme em frente a uma loja.
Num cantinho, ele deixa seus poucos pertences: edredom, um sapato e três vasos de planta. Durante o dia, conforme relato de moradores, ele vaga pela região, ao lado de uma cachorrinha.
Giovani Silva conta que o homem acabou se tornando um guarda noturno. “Mas a gente não gosta. É triste. Uma pessoa jovem, inteligente. Deveria aceitar ajuda”. A vizinhança já ofereceu de emprego a tratamento, mas tudo foi negado diante da gravidade do quadro da dependência química.
Números – A SAS (Secretaria de Assistência Social) informa que organiza, em parceria com outras instituições, um censo inédito para levantar dados precisos sobre a população em situação de rua em Campo Grande.
“Até o momento, são contabilizadas apenas as abordagens realizadas pelo Serviço Especializado em Abordagem Social e os atendimentos técnicos do Centro POP. Entre janeiro e julho de 2025, foram feitas 4.555 abordagens, sendo 2.162 com usuários de substâncias psicoativas, além de 1.261 atendimentos pelo Centro POP”.

O Seas (Serviço Especializado em Abordagem Social) atua 24 horas em todas as regiões da cidade, realizando buscas ativas, atendendo denúncias e oferecendo acolhimento.
“Apenas em julho, foram 860 abordagens, das quais 390 relataram uso de drogas. A adesão ao acolhimento é voluntária, e muitas vezes recusada. Algumas pessoas abordadas possuem residência, mas permanecem nas ruas para complementar a renda. Já no caso dos dependentes químicos, o vínculo é construído aos poucos para convencê-los a buscar tratamento”, informa a secretaria.

A política de assistência social é integrada a outras áreas, como saúde, emprego e habitação. Conforme a administração municipal, o trabalho é feito em rede com o Conselho Tutelar, Defensoria Pública e Ministério Público.
“As ações incluem identificação, acompanhamento, orientação, encaminhamentos para saúde, habitação, educação e trabalho, além de parcerias com o CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) e comunidades terapêuticas. Os tratamentos não são compulsórios, o que gera altos índices de evasão, mas a prefeitura mantém esforços articulados para ampliar a efetividade dos atendimentos e garantir proteção e direitos à população em situação de rua”.

A PM (Polícia Militar) chegou a citar possibilidade de “colapso”, com 2,5 mil andarilhos no Centro, apesar de estudo de março deste ano, apresentado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas, apontar oficialmente 1.097 pessoas em situação de rua em toda a Capital.