Proposta da concessionária Rumo previa investimentos em apenas 19% da ferrovia e devolução do restante
O Tribunal de Contas da União (TCU) rejeitou a tentativa de solução consensual apresentada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e pela concessionária Rumo para manter a exploração da Malha Oeste, ferrovia que liga Mairinque (SP) a Corumbá, em um trecho de 1.973 quilômetros. Com a decisão, as tratativas mais avançadas para revitalização da malha ferroviária voltam à estaca zero.
O presidente do TCU, ministro Vital do Rêgo, determinou o arquivamento do processo após acompanhar o voto do relator, ministro Aroldo Cedraz. O entendimento é de que a proposta não atendia à legislação e buscava manter a concessionária sem licitação, mesmo diante do histórico de descumprimento de metas e abandono da ferrovia.
Cedraz destacou que “o atual concessionário não poderia sequer requerer a prorrogação contratual, seja pela via ordinária ou pela via antecipada nos moldes da Lei 13.448/2017, por não ter logrado atingir os indicadores de desempenho e de manutenção insculpidos no contrato”.
O acordo previa a recuperação e construção de 491 km da ferrovia, justamente nos trechos mais rentáveis, usados para o transporte de celulose e minério de ferro. Em contrapartida, a Rumo devolveria 1.600 km (81% da malha total), marcados por abandono e baixa utilização.
Entre as obras previstas estavam a recapacitação de 47 km entre Corumbá e Porto Esperança, a rebitolagem de 300 km entre Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas, a construção de 55 km ligando a fábrica da Suzano ao contorno ferroviário de Três Lagoas, e um novo segmento de 89 km entre Três Lagoas e Aparecida do Taboado.
Para Cedraz, a proposta não configurava solução consensual, mas tentativa de burlar o processo de licitação. “Isso me permite concluir que, na verdade, não se trata da resolução de solução conflituosa, permitida pela IN TCU 91/2022, mas, sim, de burla à licitação de um novo projeto de infraestrutura ferroviária, em clara afronta à Constituição Federal, arts. 37, inciso XXI, e 175, assim como às Leis de Concessão e de Licitação”, afirmou.
O ministro acrescentou que a medida permitiria a permanência da mesma concessionária, sem cumprir os requisitos legais por mais 30 anos, impedindo a participação de novos interessados no setor ferroviário.
ABANDONO
A rejeição também foi sustentada pelo histórico de problemas na Malha Oeste. Em auditorias, a ANTT registrou dormentes deteriorados, bueiros rompidos, prédios abandonados e invasões na faixa de domínio, além de passagens clandestinas, conforme já noticiou o Correio do Estado. Em fiscalização realizada em 2024, no trecho entre Campo Grande e Três Lagoas, a concessionária foi multada em R$ 2,1 milhões.
Em documento anterior, o TCU já havia alertado o Ministério dos Transportes e a ANTT que decisões sobre prorrogação ou relicitação de malhas deveriam considerar “o histórico de cumprimento das metas de produtividade e segurança, a elevada inadimplência e o alto índice de abandono de trechos ferroviários”.
Segundo o TCU, os problemas se repetem não apenas na Malha Oeste, mas também em outras concessões.
Por isso, a Corte defende que os processos de renovação levem em conta riscos ao serviço público e barreiras à entrada de novos operadores no setor. Ele avaliou que a proposta permitiria a manutenção da mesma concessionária, que atualmente não preenche os requisitos para prorrogar o contrato, por outros 30 anos, em detrimento da possibilidade de participação de novos interessados na exploração da malha ferroviária.
Com os argumentos de Cedraz, o presidente do colegiado, no dia 11 de junho, determinou “o arquivamento destes autos de solicitação de solução consensual (SSC)”, justificando que o pedido não atende os parágrafos 1º e 3º do artigo 6º, e do artigo 15 da Instrução Normativa TCU 91/2022, que dão autonomia para os relatores ratificarem ou não as propostas.
Vital do Rêgo concluiu que a solicitação não atendia ao que determina a Instrução Normativa 91/2022 do TCU. “Não havendo a ratificação mencionada no § 1º deste artigo, o respectivo processo será arquivado”, escreveu em seu despacho.
RELICITAÇÃO
Com o arquivamento, a ANTT terá de adotar medidas para a relicitação da Malha Oeste. O prazo é considerado curto, já que a concessão atual termina em junho de 2026. Estudos técnicos apontam a necessidade de R$ 18 bilhões em investimentos ao longo de 60 anos para viabilizar a operação plena da ferrovia.
O processo da solução consensual havia sido protocolado em fevereiro deste ano, com aprovação da diretoria da ANTT. O argumento era de que o contrato já não poderia ser prorrogado e que o acordo seria a forma mais rápida de garantir a continuidade da concessão.
Cedraz observou que o pedido foi apresentado oito dias antes de vencer o prazo concedido pelo TCU para que fossem apresentados estudos sobre a relicitação, que já havia sido prorrogada por 24 meses em 2023, sem possibilidade de nova extensão.
Em despacho de maio, o relator reforçou que “o atual concessionário não poderia sequer requerer a prorrogação contratual” e citou o Acórdão 522/2025, que alerta para os riscos de manutenção de empresas inadimplentes no setor.