Licitação avança a passos lentos, enquanto Três Lagoas aguarda há mais de uma década pela conclusão da fábrica de fertilizantes da Petrobras
Com discurso afinado entre governo federal, Petrobras e autoridades locais, a retomada da construção da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN3), em Três Lagoas, ganhou status de prioridade há alguns anos. Mas, na prática, o projeto que deveria impulsionar a produção nacional de fertilizantes continua emperrado na burocracia e em sucessivos adiamentos. O processo licitatório, que deveria ser concluído ainda neste ano, agora tem nova estimativa para encerramento até março de 2026. E o início efetivo das operações da fábrica ficou para 2028.
O novo cronograma foi admitido pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, durante evento realizado há cerca de 10 dias na Câmara Municipal de Campo Grande. A ministra justificou que houve pedido das empresas participantes para ampliação do prazo de apresentação de propostas.
“Houve um pedido das empresas por um prazo maior para apresentar propostas na licitação, diante da instabilidade mundial. A previsão é de finalizar as propostas em agosto, mas isso pode ocorrer até março”, disse Simone.
A afirmação da ministra traz mais um capítulo ao vaivém que já dura mais de uma década. Após mais de 10 anos de paralisação e promessas frustradas, a fábrica continua sendo um esqueleto industrial.
Simone Tebet confirmou as informações. “O prazo para apresentar as propostas foi estendido até agosto. Quando um prazo muda, arrasta todos os outros”.
Essa sequência de adiamentos contrasta com os anúncios de retomada feitos ao longo dos últimos anos. Em novembro de 2023, o então presidente da estatal Jean Paul Prates disse que o projeto finalmente teria andamento. Passado um ano e meio, pouco ou quase nada mudou.
A Petrobras, por sua vez, mantém a retórica otimista, mas, ao mesmo tempo, revela que a conclusão ainda está distante.
“O projeto da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados (UFN3), em Três Lagoas (MS), está na fase de licitação para conclusão da unidade. A previsão da entrada em operação é em 2028”, respondeu a estatal ao Correio do Estado, por meio de nota.
Ou seja, mesmo que as obras sejam iniciadas em 2026, o funcionamento real da fábrica só ocorrerá dois anos depois. Isso empurra a conclusão da planta para mais de 16 anos após o início das obras, em 2011.
ENTUSIASMO
Apesar da frustração que se arrasta há mais de uma década, o discurso oficial segue carregado de entusiasmo. O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), esteve presente no mesmo evento e reforçou a importância estratégica da UFN3.
“Estamos falando de uma planta que pode suprir até 15% da demanda brasileira por fertilizantes nitrogenados. Isso atrai investimento em logística, cria empregos e fortalece o agronegócio do País”, disse.
A fábrica foi projetada para produzir 3,6 mil toneladas por dia de ureia e 2,2 mil toneladas de amônia, insumos essenciais para o setor agrícola. Com o Brasil ainda dependente da importação de cerca de 90% dos fertilizantes nitrogenados que consome, a ativação da UFN3 poderia representar um divisor de águas.
Essa mesma urgência foi destacada pela atual presidente da estatal, Magda Chambriard, durante café da manhã com a imprensa, na semana passada. Segundo ela, a retomada está assegurada e o que está sendo licitado é apenas a conclusão da unidade.
“Para quem não tinha nada, um ano depois, estamos criando tudo isso. É um projeto economicamente rentável, aspirado pela sociedade em um país que precisa de fertilizante e hoje importa 90% do que consome. Vamos entregar fertilizante e substituir importações com lucro. A gente sempre ouvia dizer que fertilizantes só dão prejuízo, mas os nossos dão lucro”, afirmou a presidente da Petrobras.
O cenário atual pouco difere daquele encontrado há um ano. A promessa de retomada das obras continua apenas no papel.
O atraso da indústria de fertilizantes também impõe perdas significativas à economia sul-mato-grossense. Três Lagoas, que há anos aposta na diversificação da matriz produtiva, mantém-se refém de expectativas frustradas. Com vocação industrial consolidada nos setores de celulose e papel, a cidade poderia ter se transformado em um polo nacional de produção de fertilizantes.
Além dos impactos na economia local, a demora para a conclusão da fábrica também fragiliza a estratégia do Brasil de reduzir sua dependência externa.
A guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em 2022, acendeu um alerta global sobre a segurança na cadeia de fornecimento de fertilizantes. Países importadores, como o Brasil, ficaram mais vulneráveis a choques de oferta e variações de preço.
Assim como a guerra entre Israel e Irã, que também poderia impactar grandemente o envio de ureia ao Brasil. Conforme adiantou o Correio do Estado na edição do dia 18 de junho, o Irã é um dos principais fornecedores mundiais desse insumo, com participação relevante nas importações brasileiras.
“[Esse problema] inclusive mostra claramente o quanto que a UFN3 seria relevante nesse processo de reduzir a dependência do Brasil da importação de insumos para o agronegócio, principalmente na questão da ureia. Então, acho que essa é a primeira preocupação,” afirmou o titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação de Mato Grosso do Sul (Semadesc), Jaime Verruck.
HISTÓRICO
As obras foram paralisadas em 2014, após integrantes do consórcio serem envolvidos em denúncias de corrupção. Na época, a estrutura da indústria estava cerca de 80% concluída.
O processo de venda da UFN3 começou em 2018 e incluía a Araucária Nitrogenados (Ansa), fábrica localizada em Curitiba (PR). A comercialização conjunta inviabilizou a concretização do negócio.
No ano seguinte, a gigante russa de fertilizantes Acron havia fechado acordo para a compra da unidade, mas a crise boliviana impediu o negócio.
Em fevereiro de 2020, a Petrobras lançou nova oportunidade de venda. As tratativas só foram retomadas no início de 2022, ainda com o grupo russo.
No dia 28 de abril de 2022, a petrolífera anunciou que a transação de venda da fábrica para o grupo Acron não havia sido concluída. Ainda em 2022, a Petrobras relançou a venda da fábrica ao mercado.
Em 24 de janeiro de 2023, a estatal anunciou o fim do processo de comercialização da indústria e, desde então, há a expectativa do reinício das obras.