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Carne a R$ 8 e 1 tonelada de açafrão: fraudes levavam concorrência ao desespero

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Situação era tão fora da realidade que fornecedor foi obrigado a cancelar nota fiscal após pressão

 

 

A denúncia de “cartas marcadas” nas licitações para compra de merenda em Água Clara, a 193 km de Campo Grande, mostra que os concorrentes nos pregões com suspeita de fraude iam ao desespero diante dos preços fora da realidade apresentados pela empresa vencedora.

Mas, como o esquema também incluía servidoras, não adiantava espernear. E na prática, a pressão só surtiu resultado prático quando os concorrentes ficaram tão contrariados que um fornecedor foi obrigado a cancelar a nota fiscal. O motivo? 100 quilos de músculo moído, mas com preço de R$ 8 o quilo.

Nos pregões eletrônicos, com mostra a denúncia do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), derivada da operação Malebolge,  em parceria com o Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção), os participantes apontavam que os valores oferecidos pela Zellitec Comércio de Produtos Alimentícios, com sede em Campo Grande, eram “fora da realidade”, “inexequíveis” e “despautério”.

O objetivo da licitação era conseguir o produto pelo menor preço, mas os descontos da empresa podiam ser inexequíveis porque ela não precisaria entregar as quantidades solicitadas e nem o produto. Caso da carne, que tinha um nome na etiqueta, mas que, na realidade, era outro corte.

No total, a licitação previa a aquisição de mais de 100 toneladas de carnes em 2024, divididas entre vários cortes: patinho moído, miolo de paleta, coxa e sobrecoxa de frango, peito de frango e file de tilápia congelado.

“O corte de patinho moído, cotado por R$ 39,29 (trinta e nove reais e vinte e nove centavos) o quilo, foi arrematado por R$ 13,95 (treze reais e noventa e cinco centavos) o quilo – isto é, uma redução de 64% (sessenta e quatro por cento)”, detalha a investigação.

Já o miolo de paleta caiu mais de 50%: de R$ 30,12 para R$ 13,95. “Fato é que os lances ofertados pela Zellitec Comércio de Produtos Alimentícios foram tão baixos e absurdos que, ainda durante a realização do pregão eletrônico, diversos concorrentes manifestaram seu inconformismo, em razão da absoluta inexequibilidade das propostas”.

O esquema também contava com emissão de notas fiscais falsas por alguns fornecedores, com valores artificialmente reduzidos.

Operação investiga fraudes na merenda da rede municipal de Água Clara. (Foto: Paulo Francis)

“Sacanagem, hein” – A manipulação no valor das notas fiscais gerou tanta indignação que as empresas concorrentes ameaçaram formalizar denúncia ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).

O empresário Mauro Mayer da Silva, dono da Zellitec, solicitou para funcionário de empresa a emissão de nota fiscal referente à aquisição de 100 quilos de músculo moído e de 100 quilos de acém em tiras pelos valores, respectivamente, de R$ 8 e R$ 9.

Contudo, logo no dia seguinte (29 de janeiro de 2025), a nota fiscal fria foi cancelada, pois o fornecedor recebeu diversas reclamações. Mauro também não gostou e escreveu: “Cair em pressão de concorrente, sacanagem hein”.

Quantidade desproporcional – Conforme o Gaeco, esquema fraudulento seguiu em 2025 o mesmo padrão apresentado nos anos anteriores: pedidos desproporcionais e irracionais de determinados produtos, criando margens para justificar a falta de entrega de parte dos itens.

Fachada da empresa Zellitec, na Vila Almeida, em Campo Grande. (Foto: Reprodução)

“Exemplos claros disso são as previsões de fornecimento de itens que se repetiram em relação ao pregão realizado no ano anterior, quais sejam 1 (uma) tonelada de açafrão, 15 (quinze) toneladas de açúcar e 3 (três) toneladas de amido de milho – este último, inclusive, cotado por R$ 21,97 (vinte e um reais e noventa e sete centavos) o quilo, mas arrematado ao final por R$ 6,69 (seis reais e sessenta e nove centavos) o quilo”.

Esquema – Conforme a investigação, restaram comprovados os crimes de organização criminosa, fraude à licitação, peculato (desvio de bens ou dinheiro público), corrupção passiva, corrupção ativa, falsidade documental e uso de documento falso. A situação perdurou de 2022 a 2025.

O MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) também pede indenização de, no mínimo, R$ 22 milhões. Sendo metade pelos prejuízos ao município e os outros R$ 11 milhões por danos materiais coletivos.

Nome da operação, Malebolge faz referência à obra “Divina Comédia” de Dante Alighieri, na qual os fraudadores e corruptos são punidos no inferno.

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