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24 mulheres que marcaram 2024

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Não faltam nomes e feitos para celebrar este ano. Conheça as mulheres que tornaram 2024 inesquecível: Alex Consani, Anielle Franco, Beatriz Souza, Bianca Andrade, Bisan Owda, Charli XCX, Claudia Sheinbaum, Coralie Fargeat, Deise Falci, Erika Hilton, Fernanda Montenegro, Fernanda Torres, Gisèle Pelicot, Han Kang, Janaina Torres, Juliana Souza, Kamala Harris, Liniker, Madonna, Miuccia Prada, Rebeca Andrade, Sineia do Vale, Tamara Klink e Zakia Khudadadi

 

 

 

 

“Não desejei e nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos”, escreveu em 1981 a filósofa francesa Simone de Beauvoir. A frase da mãe do feminismo moderno está em A cerimônia do adeus, livro em que narra os últimos anos de vida de seu companheiro, o filósofo Jean-Paul Sartre, mas que também versa sobre amor, a descoberta do mundo, a velhice e a morte. O trecho deste retrato tão intimista de sua vida consegue, por si só, resumir os anseios que vivemos enquanto mulheres em 2024. Não desejamos nada mais do que viver com movimento, com o novo. E as 24 mulheres que marcaram o ano, cuidadosamente escolhidas pela redação de Marie Claire, viveram de tudo, menos tempos mortos.

Neste ano, A cerimônia do adeus voltou a ser centro das atenções no Brasil. Quem ouviu o livro declamado da boca de Fernanda Montenegro testemunhou um momento histórico. No Rio de Janeiro e em São Paulo, ela arrebatou multidões e chegou a virar recordista mundial ao reunir 15 mil pessoas para ouvi-la no Parque do Ibirapuera. Bastou a voz de Fernandona, postada de trás de uma mesa e usando um par de óculos, para se desenrolar um dos acontecimentos culturais mais relevantes do ano no país. E olhe que foram vários.

Outro deles foi (ou melhor, está sendo) protagonizado por Fernanda Torres, que emocionou não só o Brasil com sua Eunice Paiva, em Ainda Estou Aqui, mas o mundo. O longa foi pré-indicado ao Oscar na categoria de Filme Internacional, e Torres pode seguir os passos da mãe e cravar uma indicação à estatueta — mesmo que nada seja oficial até agora, o Brasil já está em polvorosa torcida. Ainda tivemos o sucesso de Liniker e seu catártico Caju; um showzaço gratuito de Madonna nas areias de Copacabana; Han Kang levando o primeiro Nobel de Literatura da Coreia do Sul; a crítica ácida sobre a ditadura da beleza de Coralie Fargeat em A Substância; e Charli XCX despertando nossa party girl interior mais selvagem.

Também foi ano de Olimpíadas de Paris, competição que ficou marcada como os Jogos da Igualdade. É que pela primeira vez todas as 32 modalidades tiveram a mesma quantidade de vagas para homens e mulheres. E que show nós demos! Rebeca Andrade, nossa menina dos olhos, se tornou a maior medalhista do Brasil, enquanto Beatriz Souza deixou todo mundo de queixo caído ao trazer o primeiro ouro do Brasil nesta edição. Nas paralimpíadas, a afegã Zakia Khudadadi foi destaque ao faturar a primeira medalha da Equipe Paralímpica de Refugiados.

O ano também teve mares turbulentos, sobretudo na política – interna e externa. No Brasil, vimos o desenrolar das investigações de uma tentativa frustrada de golpe de Estado e as ofensivas esdrúxulas que tentam fazer retroceder as políticas do aborto legal. Em meio a este cenário, Erika Hilton se destacou por manter a cabeça erguida e representar os interesses mais urgentes, não só das mulheres, mas da maioria da população brasileira.

Lá fora, mais especificamente em Gaza, a jovem jornalista Bisan Owda manteve seu celular em punho para mostrar os horrores da guerra. Em 214 anos de independência, Claudia Sheinbaum rompeu com a hegemonia masculina ao ser eleita primeira presidente mulher do México. Mesmo derrotada, Kamala Harris foi a primeira mulher negra a chegar mais longe numa campanha presidencial nos Estados Unidos.

Esses foram alguns dos feitos incríveis que as mulheres realizaram ao longo deste ano. Cada uma em sua área, elas nos deram motivos para comemorar e ter perseverança na construção de um futuro que, cada vez mais, abarque a todas nós, sem exceção. Sem mais delongas: conheça quem entrou para a nossa tradicional lista de mulheres que marcaram 2024, em ordem alfabética.

Alex Consani

Alex Consani — Foto: Mayra Martins
Alex Consani — Foto: Mayra Martins

Com apenas 21 anos, a modelo californiana tem uma vida inteira marcada por pioneirismos. É a modelo trans mais jovem a assinar com uma agência de modelos, quando tinha 12 anos, e já desfilou para marcas consagradas como Versace, Balenciaga, Stella McCartney e Chanel, só para citar algumas. Neste outubro, Consani e a brasileira Valentina Sampaio foram as primeiras mulheres trans a desfilar no Victoria’s Secret Fashion Show. Em dezembro, Consani foi a primeira mulher trans premiada como Modelo do Ano pela organização British Fashion Council. Hoje, é representada pela cobiçada agência IMG Models (que abarca nomes como Hailey Bieber e as irmãs Hadid). Fora das passarelas, chama atenção pela postura incansável em prol de abrir portas para outras pessoas trans e pelo senso de humor em seus vídeos nas redes sociais – ela tem 1,5 milhões de seguidores no Instagram e 4 milhões no TikTok.

 

Anielle Franco

Anielle Franco — Foto: Mayra Martins
Anielle Franco — Foto: Mayra Martins

Mesmo com o Ministério da Igualdade Racial (MIR) impactado pelo bloqueio bilionário no orçamento de 2024, Anielle Franco teve seu trabalho pela construção de políticas públicas para a população negra reconhecido globalmente. Em outubro, foi a única brasileira citada na lista das 100 pessoas mais influentes da nova geração, da Time. No mesmo mês, ela e sua família finalmente começaram a ver justiça por Marielle Franco e Anderson Gomes, assassinados em 2018, com a condenação do atirador Ronnie Lessa e do motorista Élcio de Queiroz. Franco também foi um dos nomes centrais nas seis denúncias de assédio e importunação sexual contra o então ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Almeida, organizadas pelo Me Too Brasil e divulgadas em setembro. A ministra foi exposta contra sua vontade. “Durou alguns meses, mais de ano. Começa com falas e cantadas mal postas, eu diria. E vai escalando para um desrespeito pelo qual eu também não esperava, até situações que mulher nenhuma precisa, merece ou deveria passar”, afirmou ao Fantástico. Mesmo não querendo, sua voz deu credibilidade às denúncias e encorajou que outras possíveis vítimas tivessem coragem de compartilhar suas experiências. Após a divulgação das acusações, Silvio Almeida pediu demissão. Atualmente, há inquéritos abertos na Polícia Federal e no Supremo Tribunal Federal para investigar a conduta do ex-ministro.

Beatriz Souza

Beatriz Souza — Foto: Mayra Martins
Beatriz Souza — Foto: Mayra Martins

A judoca proporcionou para o Brasil um momento histórico: foi ela quem faturou a primeira medalha de ouro do país nos Jogos de Paris, após derrotar a israelense Raz Hershko na categoria acima de 78kg. De postura fria e inabalável, a atleta de 26 anos também derrotou a número 1 do mundo no tatame, a francesa Romane Dicko, que disputava em casa. Tão emocionante quanto o caminho para chegar ao pódio foi a comemoração com a família à distância, em que dedicou a medalha à avó, que morreu em junho. Nos Jogos, ela também foi uma das atletas a faturar o bronze na disputa por equipes mistas. “É incrível ver o quanto as pessoas se emocionaram com a minha vitória. Espero poder inspirar a todos, assim como fui inspirada por outros”, disse em entrevista a Marie Claire, em agosto. Em dezembro, Bia Souza foi a única brasileira a ser indicada ao prêmio IJF Judo Awards, a premiação de judô que define o melhor atleta da modalidade no mundo.

Bianca Andrade

Bianca Andrade — Foto: Mayra Martins
Bianca Andrade — Foto: Mayra Martins

Após encerrar a parceria de cinco anos com a Payot em 2023, Bianca Andrade seguiu a tendência de outras influenciadoras de criar a própria marca de beleza, a Boca Rosa Beauty. Em junho, anunciou o lançamento do Stick Cor e do Stick Pele, produtos em bastão multifuncionais para o rosto que contemplam 50 tons de pele (a maior cartela nacional de cores). Arrecadou R$ 5 milhões na live de lançamento, mas consumidores notaram problemas na embalagem decorrentes do processo de resfriamento do plástico. Andrade prontamente retirou os produtos de circulação, devolveu o valor de cada compra e está, aos poucos, relançando os produtos. “Quando isso acontece, você tem que falar mesmo, tem que cobrar. Eu, como marca, tenho que resolver essa situação”, afirmou em comunicado. A postura comprometida e preocupada com a qualidade das fórmulas fez com que a marca ganhasse mais prestígio. Para fechar o ano com chave de ouro, Bianca Andrade e os produtos da Boca Rosa Beauty estrearam nas passarelas: a empresária assinou a beleza do desfile da Misci ao lado do beauty artist Leo Almeida, realizado em novembro.

Bisan Owda

Bisan Owda — Foto: Mayra Martins
Bisan Owda — Foto: Mayra Martins

A jornalista de 27 anos precisou deixar sua casa na Faixa de Gaza depois do início do conflito entre Israel e Hamas, em 7 de outubro de 2023. Desde então, passou a documentar os imensos obstáculos vividos não apenas por ela, mas por outros palestinos que tentam escapar dos horrores da guerra e lutam por suas vidas – até agora, o conflito deixou mais de 40 mil mortos e 97 mil feridos em Gaza. Além dos vídeos publicados nas redes – são 4,8 milhões de seguidores no Instagram e 1,2 milhão no TikTok –, realizou o documentário de oito minutos It’s Bisan from Gaza and I’m Still Alive (É a Bisan de Gaza e Ainda Estou Viva, em tradução livre) para a AJ+ Channels, que, em setembro, venceu o Emmy de Melhor Recurso de Hard News. Jon Laurence, produtor-executivo do documentário, afirmou que os registros ajudaram a humanizar os palestinos e que é um “testemunho do poder de uma mulher, armada apenas com um iPhone, que sobreviveu a um ano de bombardeios”.

Charli XCX

Charli XCX — Foto: Mayra Martins
Charli XCX — Foto: Mayra Martins

Não seria exagero dizer que (quase) tudo neste ano teve o dedo e a atitude de Charli XCX – da música à moda e ao comportamento. Com seu sexto álbum, brat, lançado em junho, a artista britânica reposicionou sua influência mundial e colocou para fora seus sentimentos mais honestos e vulneráveis – tudo isso com batidas frenéticas e uma visão fora da caixinha que entoaram o verão no hemisfério norte (o famoso brat summer, que tomou as redes sociais). Ao pé da letra, “brat” significa “pirralha” e foi definida como palavra do ano pelo dicionário Collins. Segundo a própria Charli, uma brat é “uma garota um pouco bagunceira, que gosta de festa e diz algumas coisas meio doidas de vez em quando. Que se sente segura sobre si mesma, mas às vezes tem uma crise nervosa”. A definição chegou a ser usada por Kamala Harris durante sua campanha presidencial. Há um quê despretensioso na capa verde neon – o verde brat, que tomou a beleza e a moda –, na forma de se vestir e nas atitudes ácidas e honestas que mostraram porquê ela merece ser um ícone global.

Claudia Sheinbaum

Claudia Sheinbaum — Foto: Mayra Martins
Claudia Sheinbaum — Foto: Mayra Martins

Maior nação de língua espanhola do mundo, o México elegeu a primeira presidente mulher de sua história em junho, além da 8ª presidente mulher da América Latina. Filiada ao Movimento Regeneração Nacional (Morena), Claudia Sheinbaum é a sucessora de Andrés Manuel López Obrador, seu mentor, e se autodefine como uma mulher “disciplinada” e “obsessiva”. Em seu discurso de vitória e de posse, ela exaltou a força das mulheres mexicanas: “Não chego sozinha, chegamos todas, com as nossas heroínas que nos deram a nossa pátria, com os nossas antepassadas, as nossas mães, nossas filhas e as nossas netas”. Sheinbaum é cientista do clima, tem Ph.D. em engenharia de energia e promete priorizar, além do desenvolvimento social e o crescimento econômico, as pautas ambientais. Foi o que fez quando tornou-se a primeira mulher a chefiar o Governo da Cidade do México, entre 2018 e 2023. No cargo, ela ampliou a rede de transportes limpos e implementou bolsas de estudos para alunos de baixa renda. Antes disso, também foi Secretária de Meio Ambiente da capital mexicana (2000 – 2006) e prefeita do território de Tlalpan (2015 – 2017).

Coralie Fargeat

Coralie Fargeat — Foto: Mayra Martins
Coralie Fargeat — Foto: Mayra Martins

Se A Substância foi um dos filmes mais marcantes de 2024, a razão está em sua criadora, a diretora e roteirista francesa Coralie Fargeat. Reconhecida pelas sátiras cirúrgicas e desafiadoras sob uma ótica feminista, teve o roteiro de seu filme premiado em Cannes e está indicada como Melhor Diretora e Melhor Roteiro no Globo de Ouro – com chances de conseguir uma janela no Oscar. O filme virou uma grande sensação ao expor com acidez, crueza e repulsa as agruras vividas por mulheres que fazem o (im)possível para se adequar a padrões de beleza irreais. Protagonizado por Demi Moore e Margaret Qualley, o longa é uma crítica que responde ao descarte dos corpos de mulheres maduras, à objetificação, ao machismo da indústria do entretenimento e do mercado dos procedimentos estéticos que prometem “uma versão melhorada” delas próprias; mesmo quando não precisam de uma. A postura engajada da diretora também existe atrás das câmeras: em novembro deste ano, ela retirou A Substância do Camerimage Film Festival após declarações misóginas do CEO do festival.

Deise Falci

Deisi Falci — Foto: Mayra Martins
Deisi Falci — Foto: Mayra Martins

Desde os primeiros temporais fatais e o aumento do nível dos rios que inundou 478 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, Deise Falci se mobilizou por meio da sua ONG, Vem Adotar, para conseguir resgatar os animais vítimas da tragédia. Nas redes sociais, começou a divulgar imagens chocantes de animais em situação de extremo risco – como os que ficaram presos em telhados ou que nadavam na água suja, exaustos – ou mortos. Com os registros, conseguiu chegar a mais de 500 mil seguidores no Instagram e chamou a atenção de anônimos e famosos, o que atraiu doações e intensificou as operações. Com um bote inflável e na companhia de Gustavo e Leonardo, enfrentou fortes correntezas, longas distâncias e foi incansável no resgate dos animais (muitos deixados para trás pelas vítimas, na tentativa de sobreviver). Seus esforços salvaram mil vidas, entre cães e gatos – muito mais, se entrarem na conta as vítimas humanas que se recusaram a sair de suas casas por não quererem deixar para trás seus melhores amigos, mas conseguiram sair da área de risco com eles no bote de Falci.

Erika Hilton

Erika Hilton — Foto: Mayra Martins
Erika Hilton — Foto: Mayra Martins

Desde sua caminhada no ativismo até a entrada na política institucional, Erika Hilton se mantém relevante pela postura combativa e o olhar atento às demandas mais caras da população brasileira – além de ter se tornado ícone pop por meios que vão da moda aos memes (como o “não tolerarei”, que virou febre). Escolhida por voto popular com deputada do ano no prêmio Congresso em Foco, a líder da bancada do PSOL na Câmara protocolou 25 projetos de lei em 2024 que vão desde a distribuição de absorventes para pessoas em situação de calamidade (PL 1621/24) ao que visa instituir a Política Nacional dos Deslocados Ambientais e Climáticos (PL 1594/2024) – este último teve tramitação de urgência aprovada –, sem contar o trabalho vigilante em Comissões, nas ruas e na internet diante dos possíveis retrocessos que o aborto legal no Brasil enfrentou no ano. Mas seu maior destaque veio em novembro, quando pautou na política e na sociedade o fim da escala de trabalho 6×1. Com mais de 200 assinaturas, a PEC uniu esquerda e direita e abriu margem para propor caminhos para uma das demandas mais urgentes do país.

Fernanda Montenegro

Fernanda Montenegro — Foto: Mayra Martins
Fernanda Montenegro — Foto: Mayra Martins

Motivos não faltaram para celebrar Fernanda Montenegro em 2024, uma das atrizes e artistas mais importantes da cultura brasileira. Primeiro porque, em outubro, ela completou 95 anos de vida, sendo 80 deles totalmente dedicados a atuar as angústias, celebrações, dores e as tão diversas faces de seu povo. A voz marcante e o espírito aguerrido foram levados ao palco em junho para ressuscitar Simone de Beauvoir. Fernandona leu trechos d’A cerimônia do adeus e de algumas outras obras de Beauvoir na Academia Brasileira de Letras (ABL), onde ocupa a cadeira 17 desde 2021, e posteriormente no Teatro da Poeira, no Rio, e Teatro Raul Cortez, no Sesc 14 Bis, em São Paulo. O projeto teve encerramento com chave de ouro em agosto, quando fez a leitura para 15 mil pessoas no Parque do Ibirapuera, com entrada franca. “Enquanto isso aqui [a cabeça] estiver funcionando e eu tiver alguma possibilidade de me expressar, de que maneira for, vão me aguentar. É uma vocação”, disse, emocionada, acompanhada da filha, Fernanda Torres (falaremos mais dela). Pela apresentação, o Guinness Book determinou, em novembro, que Montenegro bateu o recorde mundial de maior público em uma leitura filosófica.

Fernanda Torres

Fernanda Torres — Foto: Mayra Martins
Fernanda Torres — Foto: Mayra Martins

Silêncio: o talento, a elegância e o carisma sem igual de Fernanda Torres estão sendo apreciados no mundo inteiro! Quase quatro décadas após vencer o prêmio de Melhor Atriz em Cannes por Eu Sei Que Vou Te Amar, a atriz vem ganhando nova projeção mundial por seu retrato dilacerador da advogada Eunice Paiva, no filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles. O longa usa das sutilezas para traçar a brutalidade com a qual a família de Eunice foi impactada depois do desaparecimento do ex-deputado federal e engenheiro civil Rubens Paiva, preso por militares e torturado até a morte em 1971. Por sua atuação, Torres estampou os principais nomes da imprensa internacional, foi homenageada em outubro pelo Critics Choice Awards, tornou-se a segunda brasileira indicada ao Globo de Ouro, na categoria de Melhor Atriz de Drama (depois de Fernanda Montenegro) e tem boas chances de concorrer ao Oscar pela atuação (o longa já foi pré-indicado). Tão importante quanto a aclamação mundial foi a estrondosa recepção no Brasil: visto por 2,5 milhões de pessoas, o filme virou a maior bilheteria do cinema nacional no pós-pandemia. Perto do aniversário de 40 anos da redemocratização do país e diante de uma recente tentativa de golpe frustrado, Ainda Estou Aqui fez o país refletir com mais intensidade sobre as cicatrizes da ditadura militar e de seus crimes, que continuam impunes.

Gisèle Pelicot

Gisèle Pelicot — Foto: Mayra Martins
Gisèle Pelicot — Foto: Mayra Martins

Por 10 anos, a francesa Gisèle Pelicot, de 72 anos, foi estuprada por mais de 70 homens de homens desconhecidos, entre 26 e 74 anos e de diversas profissões. Neste tempo todo, seu marido, Dominique Pelicot, a drogava e, após vê-la dormir, convidava estes homens (chamados em julgamento como “senhor todo mundo”) para cometer as violências sexuais. Tudo era gravado e colocado numa pasta no computador de Dominique, nomeada como “Abuso”. A polícia encontrou 120 mil arquivos e contabilizou 92 estupros. A situação vivida pela mulher foi descoberta após seu marido ser preso em 2020, pego filmando debaixo de saias de três mulheres em um mercado. Em setembro, o caso de Pelicot foi levado a julgamento. Ela corajosamente renunciou ao direito de anonimato e demandou que alguns vídeos de seus estupros fossem exibidos na corte. “Quando você é estuprada há vergonha, mas não é para nós nos sentirmos envergonhadas. Eles são quem devem sentir isso”, afirmou em um de seus depoimentos. A crueldade do que viveu nas mãos de seu marido e a forma como se expôs causou comoção na França e no mundo todo. Pelicot foi convertida em heroína feminista e símbolo do combate à violência sexual – sob uso de drogas ou não. Em 19 de dezembro, Dominique Pelicot foi condenado a pena máxima do crime: 20 anos de prisão. Os outros 50 homens identificados foram condenados, e receberam penas que variam entre três a 18 anos de prisão. O caso é considerado o maior julgamento de estupro da história da França.

Han Kang

Han Kang — Foto: Mayra Martins
Han Kang — Foto: Mayra Martins

A escritora sul-coreana de 54 anos foi laureada neste ano com o Nobel de Literatura, a primeira de seu país entre homens e mulheres a receber a honraria. Han Kang foi escolhida pelos retratos poéticos, singelos e viscerais sobre os tormentos mais dilacerantes da experiência humana e por confrontar traumas históricos e coletivos. Nascida em Gwangju, publicou seu livro mais conhecido em 2007, A vegetariana, que narra a história de uma jovem mulher que decide parar de comer carne depois de ter sonhos sombrios. O livro narra, em três partes, os impactos psicológicos de violências vividas pela protagonista. Ela também é autora de Atos humanos, que tem como pano de fundo uma revolução estudantil que acabou em massacre em sua cidade natal nos anos 1980, e O livro branco, em que aborda a dor que sentiu pela falta de uma irmã que nunca conheceu.

Janaina Torres

Janaina Torres — Foto: Mayra Martins
Janaina Torres — Foto: Mayra Martins

Nome por trás de lugares badalados da cena gastronômica paulistana – como Bar da Dona Onça, Casa do Porco, Hot Pork e Merenda da Cidade –, Janaína Torres foi eleita neste mês a melhor chef do mundo pela publicação The World’s 50 Best Restaurants; a mesma que a colocou como a melhor chef da América Latina em 2023. Ela também recebeu a chancela de duas facas da The Best Chef Awards 2024. A chef e empreendedora viveu um ano cheio de transformações decisivas, tanto na vida pessoal quanto profissional. A começar pelo divórcio conturbado do chef Jefferson Rueda, com quem esteve por 20 anos, e a busca pela dissolução da sociedade empresarial entre os dois, que envolvia a gestão de seus estabelecimentos. Torres também embarca numa nova jornada ao comprar o restaurante Star City, que fechou no início do ano e era conhecido pelas famosas feijoadas. A reabertura deve acontecer na primavera de 2025, ano em que planeja abrir dois outros negócios no centro de São Paulo que integram o projeto gastronômico À Brasileira, de valorização da cultura alimentar nacional.

Juliana Souza

Juliana Souza — Foto: Mayra Martins
Juliana Souza — Foto: Mayra Martins

Desde 2020, a advogada criminalista atende Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank; e, em 2021, assumiu a denúncia formal do caso de racismo vivido pela primogênita dos atores, Titi, em 2017. Quando tinha quatro anos, ela foi alvo de ataques racistas pela influenciadora e socialite Dayane Alcântara Couto de Andrade. Em agosto deste ano, Dayane foi condenada pela Justiça Federal do Rio de Janeiro a oito anos, nove meses e 13 dias de prisão em regime fechado, além de pagamento de multa. A decisão é histórica: é a maior sentença aplicada no caso de uma só vítima por crime de racismo e injúria racial no Brasil. Só foi possível graças ao trabalho incansável de Souza, que quer enegrecer a justiça de um país que se baseia em estruturas racistas e pune desproporcionalmente a população negra. A advogada de 33 anos é mestra em Direitos Fundamentais, escreveu o livro Torrente Ancestral, Vidas Negras Importam? e fundou o Instituto Desvelando Iris, que promove equidade de gênero e racial. Ela também é uma sobrevivente de violência de gênero: nascida em Feira de Santana, na Bahia, ela e a mãe, trabalhadora doméstica, se mudaram para São Paulo há anos buscando fugir do pai, que as ameaçou de morte.

Kamala Harris

Kamala Harris — Foto: Mayra Martins
Kamala Harris — Foto: Mayra Martins

Em 2020, Kamala Harris já havia feito história ao ser eleita a primeira vice-presidente mulher e negra dos Estados Unidos. Agora, foi a primeira neste perfil a concorrer à presidência do país. Harris entrou na corrida eleitoral de supetão: após uma performance desastrosa em um debate contra Donald Trump, Joe Biden desistiu da campanha à reeleição, em julho, e apontou Harris como sua substituta. Ela teve apenas 107 dias para estabelecer suas propostas e se apresentar ao eleitorado estadunidense. Apostou suas fichas em grandes comícios, apoios de personalidades famosas (desde os Obama e os Clinton até Taylor Swift e Beyoncé) e no eleitorado jovem por meio de memes – além de ter tentado esboçar uma política financeira que mirava na ascensão de uma classe média cada vez mais empobrecida. O fato de ter se saído bem no único debate contra Trump e por ter como um de seus pontos chave a defesa ao aborto legal, por exemplo, deram alguma esperança. Nada disso, contudo, foi suficiente, e em 6 de novembro, foi confirmada a eleição de Trump. “A luta pela liberdade vai exigir muito trabalho. Mas como digo sempre: nós gostamos de trabalho duro”, afirmou Harris no discurso em que reconheceu a vitória do adversário.

Liniker

Liniker — Foto: Mayra Martins
Liniker — Foto: Mayra Martins

Dois anos após ser a primeira mulher trans a ganhar um Grammy Latino, Liniker alçou voos ainda maiores e mais bonitos com seu segundo álbum solo, o aclamado Caju (alcunha que virou alter ego, música e nome de cidade fictícia). Uma verdadeira salada de ritmos e de hinos que versam sobre amor e autoconfiança, o disco foi inteiramente gravado de forma analógica e seu processo criativo vai ganhar documentário. A autenticidade e alma das canções fez a obra acumular nada menos de 6 milhões de reproduções em 24 horas nos streamings, logo no lançamento. Treze das 14 músicas figuraram no Top 100 da Apple Music Brasil e tanto o disco quanto a música homônima alcançaram o Top 1 do iTunes Brasil em três dias. Os ingressos para o primeiro show da turnê esgotaram em uma hora e meia, sendo que as três apresentações inaugurais, em São Paulo, lotaram em 12 horas. Além de duas indicações ao Grammy Latino deste ano, Liniker venceu o prêmio Multishow de Álbum, Capa e Artista do ano. O sucesso ilustra bem o momento de vida da artista, que vive sua fase mais confiante. “Tem sido importante entender que não preciso mais abaixar a cabeça, ser validada, pedir licença para entrar. Onde eu não couber, vou sair”, afirmou em outubro a Marie Claire, quando foi nossa cover girl.

Madonna

Madonna — Foto: Mayra Martins
Madonna — Foto: Mayra Martins

Ao longo de 50 anos de carreira, Madonna sempre se manteve relevante. Mas, em 2024, a Rainha do Pop fez a alegria dos brasileiros ao trazer sua Celebration Tour ao Brasil em grande estilo: de graça,1,6 milhão de fãs arrebataram as areias da praia de Copacabana para assistir às duas horas de show, em que a artista relembrou os maiores hits de sua trajetória. Com uma estrutura classe A, recebeu participações de nomes como Anitta e Pabllo Vittar, exaltou os fãs brasileiros e arrepiou o público com suas famosas (e polêmicas) performances teatrais, sem poupar erotismo, beijo na boca e símbolos religiosos. O show ficou marcado como um grande acontecimento cultural na agenda do Rio, a ponto de a cidade pretender manter a agenda de shows internacionais gratuitos em Copa (com Lady Gaga podendo ser o nome da vez em 2025). Os impactos do show também foram financeiros, já que a passagem de Madonna movimentou mais de R$ 300 milhões na economia da cidade, segundo dados do Governo do Estado.

Miuccia Prada

Miuccia Prada — Foto: Mayra Martins
Miuccia Prada — Foto: Mayra Martins

A designer italiana está por trás não apenas de uma mas de duas das grifes mais cobiçadas da moda em 2024. Miuccia Prada é ninguém menos que a designer chefe da Prada e fundadora da Miu Miu. Em janeiro, o ranking semestral da Lyst colocou a Prada como a marca mais cobiçada do mundo, com boom de buscas no Google e forte engajamento nas redes sociais. Já em outubro, a designer perdeu o posto… para ela mesma, com Miu Miu tornando-se a grife mais desejada. Além de se manter relevante no passado e no presente, Prada se consagrou como uma das estilistas que entendem o fenômeno fashion como ninguém, e sabe bem como dosar conceito, bons produtos e um marketing estrelado, divertido e cativante. Não à toa é um dos nomes mais influentes da indústria desde o final dos anos 1970, quando assumiu o negócio da família (ela é neta do fundador da Prada, Mario Prada).

Rebeca Andrade

Rebeca Andrade — Foto: Mayra Martins
Rebeca Andrade — Foto: Mayra Martins

Tente pensar em Olimpíadas de Paris sem ter Rebeca Andrade em mente e falhe miseravelmente. É que além de ter trazido quatro novas medalhas ao Brasil (incluindo o ouro no Solo, em que superou Simone Biles), a atleta guarulhense se consagrou como a maior medalhista do Brasil: ela é a única no país a ter seis medalhas, incluindo as duas que faturou nos Jogos de Tóquio, em 2021. Em Paris, ela era destaque, e todas as televisões brasileiras estavam ligadas no momento em que entrava em cena. Rebeca foi eletrizante, seja em seus saltos impecáveis, os solos executados à perfeição ou na disputa em grupo com Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Julia Soares e Lorrane Oliveira; além de ter cativado o coração do mundo todo com seu jeito meigo, a frieza e concentração ímpar ao pensar nas receitas que faria ao voltar para o Brasil (quem lembra?) e com memes pelo delay ao ver os resultados, já que compete sem enxergar direito – como revelou em entrevista a Marie Claire em fevereiro, quando foi capa. O ótimo desempenho virou notícia no mundo todo, e chegou a colocá-la na lista de 100 mulheres mais influentes do mundo da BBC.

Sineia Bezerra do Vale

Sineia Bezerra do Vale — Foto: Mayra Martins
Sineia Bezerra do Vale — Foto: Mayra Martins

A gestora ambiental integrante do povo Wapichana é coordenadora de gestão territorial e ambiental do CIR (Conselho Indígena de Roraima), e desenvolve um trabalho incansável com foco na crise climática. Ela é autora do primeiro estudo ambiental acerca das transformações do clima com foco nos povos tradicionais roraimenses. Há anos, ela defende que a ciência deve levar em conta as experiências e tecnologias dos povos originários para criar soluções inovadoras e eficientes capazes de frear as mudanças climáticas. Por seu trabalho, ela ganhou o prêmio Cientista Indígena do Brasil do Planetary Guardians, em maio. Neste ano, Vale ainda assumiu a copresidência do Fórum Internacional de Povos Indígenas sobre Mudanças do Clima (IIPFCC) na COP 29 em Baku, no Azerbaijão, e presidiu as reuniões do Caucus Indígena. Ela se manterá no cargo no próximo ano, em que acontece a COP 30 em Belém, no Pará. A gestora ambiental também é a atual chefe da Coordenação Nacional do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC).

Tamara Klink

Tamara Klink — Foto: Mayra Martins
Tamara Klink — Foto: Mayra Martins

Aos 27 anos, a velejadora e escritora brasileira ficou presa num mar congelado na Groenlândia por oito meses durante o inverno polar. Neste tempo, não viu o sol e passou longos períodos sem saber o que é contato humano. Assim, conseguiu a alcunha de primeira mulher a passar o inverno sozinha no Ártico. Antes da aventura, chegou a fazer um ano de preparo mental (para não enlouquecer com a solidão), aprendeu a costurar a própria pele e até a atirar para se defender de ursos. “As pessoas me diziam que eu ia morrer”, contou em entrevista concedida em julho a Marie Claire. Klink é filha do navegador Amyr Klink (primeira pessoa a atravessar o oceano Atlântico a remo, em 1984) e foi a brasileira mais jovem a navegar da França ao Brasil em solitário, em 2021. As razões para querer embarcar nesse grande experimento foram várias. Uma delas foi “descobrir o que acontece com a gente quando estamos sós”.

Zakia Khudadadi

Zakia Khudadadi — Foto: Mayra Martins
Zakia Khudadadi — Foto: Mayra Martins

Durante as Paralimpíadas de Paris, a atleta afegã de para taekwondo conquistou a medalha de bronze na categoria K44 até 47kg. Ao vencer a turca Nutichan Ekinci, Zakia Khudadadi trouxe a primeira medalha da história dos Jogos da Equipe Paralímpica de Refugiados. “Passei por muitas dificuldades para chegar até aqui. Dedico esta medalha a todas as mulheres do Afeganistão e a todos os refugiados do mundo. Espero que um dia meu país tenha paz”, afirmou a atleta ao chegar ao pódio. Nascida na cidade de Herat, Khudadadi tem uma má formação em um dos braços e começou a praticar taekwondo em segredo quando tinha 9 anos. Com a retomada do Talibã ao poder, em 2021, a atleta pediu ajuda para deixar o país e poder competir nas Paralimpíadas de Tóquio. Na ocasião, representou o Afeganistão. Como vive na França desde que deixou seu país de origem, foi “adotada” pelo público francês, que apareceu em peso e a encorajou das arquibancadas durante suas lutas.

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