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Psicopatia e Imitadores de Psicopatas: Uma conversa com a Dra. Ana Beatriz Barbosa da Silva, autora do best-seller Mentes Perigosas, sobre valores sociais

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Para lá de requisitada por programas como Fantástico, Mais Você, The Noite e Globo Repórter, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva tem um objetivo claro há décadas: propagar conhecimento sobre saúde mental em linguagem acessível à população. Além de escrever livros sobre diversos temas da sua especialidade, ela os aborda no canal Mentes em Pauta, com mais de 500 mil inscritos no Youtube, e ministra cursos como o Mentes Ansiosas, que promove o bem-estar dos alunos por meio de esclarecimentos científicos, e nunca de fórmulas milagrosas. Seja no Roda Viva ou no Altas Horas, Ana Beatriz jamais recusa perguntas, e é desse jeitinho que ela fala à Uma Revista sobre um assunto inquietante: a psicopatia.

Lançado em 2008, o livro Mentes Perigosas: O psicopata mora ao lado é um fenômeno editorial, mas também uma obra em que a psiquiatra desmistifica a figura do Mal: na sua grande maioria, pessoas com esse tipo de personalidade podem não ser o Maníaco do Parque, e nunca cometerão um homicídio, mas deixarão rastros de destruição por onde passarem – por exemplo, estelionatários que tiram tudo de idosos. Didaticamente, isso significa que há graus de psicopatia, e que possivelmente já cruzamos com pessoas muito perigosas. Uma curiosidade é que Ana Beatriz hesitou em escrever a obra, pois não queria focar nos 4% da população que comete atrocidades, mas a autora Glória Perez – para quem a médica prestou consultoria em trabalhos como A Força do Querer e Caminho das Índias – deu o empurrãozinho que faltava. A dramaturga aconselhou que a amiga escrevesse o livro pensando nos outros 96% da população; assim, poderiam se proteger de psicopatas em eventuais topadas. Hoje, Mentes Perigosas já passa de 2 milhões de cópias vendidas.

 

Clara Jardim: Cada vez mais, há um enorme interesse de diferentes públicos a respeito de serial killers e comportamentos perversos em geral. Como a senhora comenta o sucesso contínuo do seu livro sobre o tema? Seria um desejo de obtermos controle, de nos protegermos de algum desconforto que já passamos nas mãos de pessoas perversas?

Dra. Ana Beatriz Barbosa da Silva: Nunca pensei que o livro pudesse fazer esse tipo de sucesso. Primeiro, porque eu não queria escrevê-lo. Achava que tinha de escrever para um público que precisasse de ajuda, e que realmente a quisesse. Quem me fez enxergar que eu estaria escrevendo para 96% das pessoas – que não são psicopatas – foi a Glória Perez. Foi quando destravei e escrevi. Mas por que o Mentes Perigosas é um fenômeno? O ser humano é um animal desejoso de saber do universo ao seu redor e de si. É uma característica da humanidade; por isso que nós evoluímos e chegamos onde estamos. É essa vontade de compreender como as coisas funcionam – até para que tenhamos um controle mínimo da natureza que nos circunda e, também, de nós mesmos. Sempre achamos que havia bondade nos seres humanos, e parece ser verdade. É como se tivéssemos uma bondade de fábrica – e há um capítulo no qual falo disso no livro. Mas 4% das pessoas não apresentam a conexão com essa essência de bondade. Talvez ela exista, mas não está ligada. Realmente, a perversão de alguns atos de psicopatas é tão inimaginável para a grande maioria das pessoas que o leitor abre uma curiosidade, não apenas buscando se proteger, mas entender como funciona esse universo tão diferente do senso comum.

A cada dia, no entanto, o comportamento perverso parece mais usual, com valores sociais que exaltam a esperteza do psicopata e a ideia de se dar bem a qualquer custo. Em uma sociedade que acha a ostentação normal, e na qual o sucesso é medido por bens materiais, o psicopata acaba brilhando. Muitas vezes, desperta até certa inveja em pessoas que se acham boazinhas demais.

Além disso, o interesse pelo comportamento humano vem aumentando o tempo todo, há muito tempo. Nas últimas três décadas, essa é uma marcação na literatura, no cinema e nas artes em geral. O ser humano estudou e descobriu maneiras de ir à lua. Foi à lua, mas sabe muito pouco de si mesmo, sobre os seus funcionamentos e essência. Ir à lua é interessante, mas ir ao centro da essência humana ainda é o desafio mais fascinante da humanidade, e estamos nos dando conta disso. Talvez, até por um lado oposto, tão diferente da gente… Mas, nas diferenças, descobrimos exatamente quem somos e reafirmamos a nossa essência. É muito bom ser uma pessoa tão diferente de um psicopata! Todos esses fatores contribuíram para o sucesso do livro.

No combate às práticas de intimidação e violência nas escolas, uma das contribuições mais importantes da Dra. Ana Beatriz foi auxiliar professores, pais e responsáveis na Cartilha Antibullying, do Conselho Nacional de Justiça Foto: Divulgação

 

Clara Jardim: Por muito tempo, a sociedade considerou que o bullying praticado nas escolas não passava de uma brincadeira entre crianças ou adolescentes. Como a senhora pontua na obra Bullying: Mentes Perigosas nas Escolas, a perversidade pode estar presente desde a infância, e assassinos notórios sempre terão apresentado red flags em seu passado – por exemplo, maus tratos aos animais. Em uma situação de bullying escolar, qual é a melhor forma de uma vítima se defender de novas agressões e, também, superar as humilhações já sofridas? Como se recupera a autoestima dessa criança?

Dra. Ana Beatriz Barbosa da Silva: É bem complicado para uma criança ou um adolescente, pois eles têm muito poucos recursos. Então, o enfrentamento do bullying está mais direcionado à postura dos adultos que fazem parte do convívio. Primeiro, os adultos do território escolar. Segundo, e em conjunto, os adultos que pertencem à família – os responsáveis pelas vítimas. E a primeira coisa a ser feita é mudarmos essa ideia de que o bullying é uma brincadeira. Não é uma brincadeira. O Bullying é uma agressão repetitiva com um intuito muito claro de subjugar e humilhar uma vítima que, em geral, não tem condições de reagir à agressão – seja porque se trata de uma pessoa mais frágil ou porque está sozinha e sendo vitimada por um grupo. Então, campanhas devem ser feitas e atitudes devem ser tomadas para que a escola, os professores, os pais e os alunos possam fazer, de fato, uma frente de enfrentamento ao bullying. Mas é especialmente necessário mudar a cultura. Porque, até hoje, os badboys são os mais populares no sentido de mostrarem força e poder. A cultura precisa projetar fama em ser legal e do bem; exaltar coisas boas – os valores, a ética. E visibilizar quem tem sensibilidade, pois é isso que muda o mundo. É o que provoca empatia, generosidade e comprometimento com o bem maior.

Como superar as agressões? Acho que é justamente dando essa certeza de que a criança que sofre o bullying não está errada. Pelo contrário, o que está errado é uma exaltação dos valores de quem a agride. A criança tem de ser amparada, acolhida e, muitas vezes, terá de trocar de escola, pois o bullying pode ser muito pesado. Principalmente, precisa ter seus talentos estimulados – e cada pessoa tem os dons que Deus deu. Ao ser incentivada a desenvolver seus talentos, aí sim! Ela se sentirá especial, terá autoestima por si mesma e pelo que é capaz de produzir no mundo. Não adianta estimular uma vingança e, sim, fazer a criança entender o quanto ela é preciosa e poderosa naquilo que nasceu para fazer. Tem de buscar sua vivência e sucesso baseada nos próprios dons, e é quando vemos crianças e adolescentes superando o bullying. Ainda, existem muitos exemplos de artistas e pessoas ligadas à tecnologia que sofreram bullying. Com o passar do tempo, fizeram acontecer e encontraram sua força. Pois a força que vale não é a bruta, mas a do talento. Aquilo que podemos realizar com sucesso, ética e dignidade. O investimento nos talentos é o que leva a essa superação.

 

Clara Jardim: Sabemos que crianças que nasceram com o gene da psicopatia facilmente terão seu gatilho puxado quando expostas a maus tratos e outras adversidades. Mas, com uma criação saudável e tendo quem as ensine, elas essencialmente irão desenvolver a psicopatia em algum momento ou poderão se manter livres dos impulsos mais graves?

Dra. Ana Beatriz Barbosa da Silva: Eu adoraria responder a essa pergunta com precisão, mas o que sabemos é que tudo dentro da psicopatia varia de grau – o leve, o moderado, o grave e o gravíssimo, que é o serial killer com uma perversidade muito além do que se pode imaginar. Quando o grau é muito grave, ou seja, esses sintomas se apresentam desde criança a partir de curiosidades mórbidas como matar e esquartejar animais, sabemos que a educação não tem muita influência. É como se a marcação fosse a de um animal selvagem, e a modulação da educação faz muito pouco efeito.

Quando o grau vai do leve ao moderado, não é que a educação elimine pensamentos e a vontade mórbida de causar sofrimento, subjugar ou tirar proveito dos outros. Mas, com uma educação precisa, de limites, ou mesmo uma sociedade que reprime isso, sabemos que é mais difícil para eles se manifestarem, pois sabem que haverá consequências. Em sociedades onde existe uma legislação separada para a psicopatia, os psicopatas sabem até onde podem ir. Apesar de terem as vontades e os instintos, eles freiam. Só se manifestam quando acham que o risco de serem pegos é pequeno. Por isso, a educação e os valores sociais podem modular em casos leves a moderados.

Já nos casos graves, é bem mais difícil, e acho que muitos estudos ainda têm de ser feitos para que tenhamos algum tipo de intervenção terapêutica eficaz – o que até hoje não tivemos, pois psicopatas não respondem a nenhuma medicação. Pode ser que, no futuro, tenhamos algo que desperte o sistema das emoções, da empatia e sentimentos mais nobres, e consigamos tornar essas pessoas mais fáceis de convivência, ou sem maior perigo social. Mas há muita pesquisa pela frente. Infelizmente, pesquisa-se muito pouco nessa área, mas evoluímos para isso. Como, hoje, temos um microchip para a doença de Parkinson. A implantação desse microchip nos núcleos da base, no centro do cérebro, melhora muito a vida do paciente. Pode ser que cheguemos a esse ponto em um futuro próximo; espero que sim, para que possamos transformar essa história.

 

Clara Jardim: Em lives sobre psicopatia no Instagram, você e o psicólogo Alex Rocha deixam claro que, ao tomarmos conhecimento, compreendemos melhor a gravidade dos atos de psicopatas. Muitas vezes, no entanto, há quem relativize a perversidade até por falta de informação e, na opacidade pintada por cima de atos cruéis bastante óbvios, cria-se uma narrativa ambígua – o que desfavorece as vítimas. Por exemplo, quando um homem maltrata a namorada e é chamado de “imaturo” em vez de “agressor”; ou quando a intimidação de um assediador é resumida a uma “brincadeira de mau gosto”. Além de invisibilizar a dor da pessoa que é violentada, quais são as consequências deste tipo de discurso?

Dra. Ana Beatriz Barbosa da Silva: Essa pergunta é excelente, pois isso traz consequências que já estamos vendo. Uma falta de limites e de civilidade. Nós precisamos de uma mudança de valores na sociedade para evitar que pessoas se reservem o direito de agredir e fazer perversões com as outras – e para evitar que isso seja minimizado. Há quem faça algo uma única vez e se arrependa de fato. Isso é possível, e nós não somos perfeitos. Mas quando o faz de forma repetitiva e é colocado nesse viés de imaturidade ou de brincadeira, não… Isso é perversidade. Não podemos ter essa flexibilidade com a maldade, nem esse passar-pano sobre os agressores. Temos de entender o seguinte: independente de qualquer coisa, a vítima é quem sempre tem razão. As pessoas agredidas, estupradas, mortas… Elas são as vítimas, e o algoz será sempre o algoz. Não podemos reverter a ordem das coisas. Precisamos parar com esse discurso de pessoas “imaturas”, que fazem “pequenas brincadeiras”. O certo é o certo, o errado é o errado, e nós temos de tocar a vida nessa direção. Podemos errar? Podemos e provavelmente iremos. Mas, sim, podemos nos redimir e começar a fazer bem diferente para que mudanças reais em termos de ética e de justiça possam existir dentro da sociedade e, assim, aumentar os nossos níveis de civilidade.

 

Clara Jardim: Por fim, com toda a perversidade que temos testemunhado, seriam os psicopatas mais do que 4% da população de hoje?

Dra. Ana Beatriz Barbosa da Silva: Para falar a verdade, eu acho que sim. É que, também, temos uma mídia que só destaca as coisas ruins; não dá visibilidade às coisas boas. Nesse exato momento, há uma porção de gente fazendo o seu trabalho de forma digna, salvando pessoas e contribuindo para uma sociedade melhor, mas nada disso vai virar manchete. Quem sabe com notícias que falem mais dessas pessoas a gente também contribua com uma mudança de valores… Então, acho que existe essa exaltação do que é ruim, que vende mais. E existe uma grande parcela de pessoas que não são necessariamente psicopatas, mas que cometem atos que chamo de psicopatoplásticos. São ações para obter sucesso e visibilidade que lembram as de um psicopata, mas com o objetivo de entrar na corrida que valoriza os espertos; que valoriza sempre o resultado, e não o processo de caminhada. Infelizmente, acho que temos idolatrado psicopatas dentro dos nossos valores e da cobertura da mídia. E isso acaba por influenciar uma massa que procura validações no sentido de se conduzir e ser uma pessoa de visibilidade nessa sociedade. Quem não ostenta, quem não está na festa mais badalada, quem não bebe a champagne mais cara ou não usa as marcas mais luxuosas… Parece que toma o rótulo de loser – um perdedor.

Isso também leva muitas pessoas a imitarem determinados comportamentos para serem as mais vistas e com o maior número de likes. É um território bastante tênue de praticar atos típicos de um psicopata – mesmo não se tratando de um – para se fazer aparecer. Quem é psicopata tem de ter esse comportamento sempre, pois é uma maneira de viver. Já uma pessoa que começa a fazer isso sem um histórico passado pode ser um bocó (risos). Ela está tentando criar uma identidade de força perante a sociedade, mas só está criando mais uma personagem que exalta valores típicos dos psicopatas. Há essa maquiagem.

Acho que existe muito, muito mais gente boa, mas essas pessoas não rendem glamour, curtidas nem ganham ibope. Então, que o Bem, a generosidade e a empatia comecem a ocupar mais espaço nas capas das revistas, nos jornais, no que postamos nas redes sociais e no que trocamos de notícias uns com os outros. Talvez, um banho ou uma epidemia de coisas boas possa realmente começar a mudar essa atmosfera do mundo.

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