Sonhos, planos e uma vida de dedicação e investimentos foram levados pela lama
Há mais de 20 anos, uma pequena casa na área rural de Jaraguari era refúgio para a família de Denair Martins da Silva. Era lá onde ela recebia os familiares aos finais de semana e feriados, em busca de união e descanso. Mas nessa semana, o ranchinho foi tomado pela enxurrada de água após o rompimento de uma barragem no condomínio de luxo, Nasa Park, localizado a poucos quilômetros dali.
O local de refúgio deu lugar à lama e tristeza. A casa, cheia de memórias afetivas da família, está agora cheia de sujeira e entulho do que eram os móveis e pertences pessoais dos moradores. Quatro dias após a tragédia, o cenário ainda é de lama, sujeira e necessidades em todos os âmbitos.
As roupas que secavam no varal ainda estão por lá, mas agora cheias de lama, assim como tudo o que a família tinha. Denair e seus familiares estão se virando como podem, limpando aos poucos, indo dormir em Campo Grande e recebendo doações. Mas a esperança de ver o cantinho renovado, caminha com eles.
“A gente vai dar um jeito, a gente vai se reerguer, vamos aos poucos limpando, conquistando as coisas, tudo de novo. Espero que até o fim do ano a gente possa estar juntos aqui e olhando para isso como passado”, diz Denair que ainda anima a família a não desistir do lugar.
Caminhão da família destruído pelo mar de lama
Na pequena propriedade de Denair há um caminhão, antigo e que exigia bastante dedicação. Irmão do genro dela passou anos se dedicando na reforma do veículo, que estava em boas condições.
“Tinha trocado o motor recente e a água passou por cima do capô, acabou com o caminhão”, conta ela. Além da troca do motor, eles passaram anos comprando peças, trocando, fazendo manutenção e arrumando para o caminhão ficar bom.
Nesses dias após desastre, falta até água para as famílias. O poço que abastecia as duas casinhas também foi invadido pela lama e ficou completamente destruído. Agora, eles dependem de água dos vizinhos para beber.
Vale lembrar que de terça-feira (20) a quinta-feira (22), Campo Grande e região registraram calor acima de 35°C e umidade relativa do ar abaixo de 15%.
Ouvi barulho alto e vi onda vindo, diz morador
Na manhã de terça-feira (20), Luiz Neris rastelava tranquilamente quando seu sobrinho de 14 anos chegou correndo e disse: “meu pai pediu pra avisar que rompeu uma barragem lá em cima, a água está vindo”. O pequeno proprietário rural não acreditou e chamou o adolescente para tomar um café.
Alguns minutos depois, ele ouviu um barulho alto, como uma “turbina de avião” e, ao olhar pela janela viu o que parecia uma “onda de mar”. O adolescente, sobrinho de Luiz, mora com Denair e em questão de pouco tempo, viu as propriedades sendo destruídas pela água. A casa de Luiz não foi atingida, mas ele nem consegue calcular o prejuízo com a perda de animais.
A enxurrada invadiu o chiqueiro e o galinheiro e ele perdeu em torno de 40 animais. Além disso, invadiu os 7 tanques para criação de peixes, inclusive um deles onde há um mês eles tinham depositado 4 mil peixes.
A ideia era abrir um pesque e solte, mas agora não sabem mais como vai ser. Ainda é difícil também imaginar como vai ser a renda da família, que dependia totalmente da criação de animais.
Entre as perdas está uma porca de 300 kg que foi levada pela água. “Isso aqui era um sonho para mim. É uma coisa que mexe com a gente, a gente sonha, imagina e de repente está tudo destruído. Dá um desânimo de continuar”, diz ele.
Caseiro achou documentos soterrados
Três dias após a tragédia, o caseiro da chácara de Luiz, conseguiu o mais improvável. Encontrou seus documentos pessoais dentro da fronha do travesseiro, arrastado e soterrado pela lama na terça-feira.
Ele perdeu tudo. Da casa onde morava, de dois cômodos, restou apenas o banheiro em pé. A água passou com muita força e derrubou as paredes, ficou apenas o banheiro. Todos os móveis foram soterrados, mas hoje eles foram ao local dos entulhos e encontraram os documentos, que estavam dentro dos travesseiros.
Única coisa que ele conseguiu recuperar. Móveis e eletrodomésticos estão soterrados na lama, bem como seus pertences pessoais.
Barragem estava irregular, diz Imasul
A barragem do lago construído no loteamento de luxo Nasa Park é totalmente irregular. A estrutura nunca recebeu autorização do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) para construção e nem certificado ambiental. Além disso, o empreendimento recebe notificações desde 2019 sobre a necessidade de regularizar a barragem, o que nunca foi feito.
Multa de R$ 160 mil do Ibama por irregularidades
O loteamento Nasa Park ganhou a atenção das pessoas na terça-feira (20) após o rompimento da barragem da represa que fica no local causar verdadeira tragédia ambiental, além de prejuízos materiais. No entanto, a empresa A&A Empreendimentos Imobiliários S/C Ltda – proprietária dos loteamentos Nasa Park I e II –, já havia sido multada pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) por irregularidades ambientais.
Conforme apurado, em 2008, o Ibama aplicou multa de R$ 160 mil em nome do proprietário, Alexandre Alves de Abreu. A infração constatada pelos técnicos foi: “Ocupar irregularmente área de preservação permanente no Loteamento Nasa Park I e descaracterizar e danificar área de preservação permanente no Loteamento Nasa Park II, através de raleamento de vegetação ciliar e não adoção de técnicas de contenção de processos erosivos, em uma área total de 8,0 ha”.
Então, o processo tramitou internamente no órgão até maio de 2019, quando foi remetido à Justiça Federal. Sem o pagamento da infração, tornou-se execução fiscal, no valor atualizado de R$ 111.803,00.