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‘Só quero ter paz’: o relato de uma delegada da polícia perseguida por uma stalker há 4 anos

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Desde 2019, Luana Davico recebe ameaças de morte a ela e familiares por meio de mensagens nas redes sociais e ligações telefônicas. A perseguição passou a incluir a exposição de dados privados dos envolvidos. A stalker chegou a ser presa em flagrante, mas foi solta meses depois e continuou as violações

 

A delegada de polícia Luana Davico, 35 anos, recebeu as primeiras mensagens ameaçadoras em 2019, pelo messenger do Facebook. “Vou acabar com a sua vida”, “Você não tem medo do que posso fazer com você?”, escreveu a stalker, a quem a delegada prefere manter em anonimato, assim como a cidade onde vive, por questões de segurança.

De imediato, não levou a sério e considerou que o melhor seria ignorar. Como outra delegada também tinha recebido mensagens da mesma pessoa, foram pesquisar se já tinham atuado em algum caso envolvendo ela ou algum familiar. Não encontraram nada.

O volume de mensagens e ligações só aumentou. Assim que bloqueava um perfil, a stalker criava outro e continuava. “Era o dia inteiro recebendo notificação. Percebi que não era só para chamar atenção, era uma obsessão”, diz a delegada. “Não podia mais bloquear porque isso me faria perder as provas e possivelmente o acesso a ela.” Registrou um boletim de ocorrência por ameaça e injúria, e perturbação de sossego.

O número de denúncias por perseguição no Brasil saltou de 31.389 em 2021, ano em que o crime foi tipificado no Código Penal, para 56.560 em 2022, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O crime é caracterizado quando há ameaça à integridade física ou psicológica, restringindo a capacidade de se locomover ou perturbando a liberdade ou privacidade. A pena é de 6 meses a 2 anos de prisão, mas pode chegar a 3 anos quando há agravantes, como em casos de crimes contra mulheres.

De acordo com Juliana Brandão, pesquisadora do Fórum, o aumento do crime de perseguição deve ser analisado dentro do contexto de violência contra as mulheres, que são as principais vítimas.“Estamos diante de um período de desfinanciamento de políticas de proteção de mulheres, inclusive a gestão anterior na esfera federal teve a menor alocação orçamentária para o segmento das mulheres”, afirma. Brandão também atribui o recrudescimento da violência ao cenário da pandemia da covid-19 e a descontinuidade desses serviços durante este período.

“Além disso, estamos frente a um contexto de ascensão de crimes de ódio e de movimentos ultra conservadores, que têm aumentado a capilaridade, dando sustentação para todo tipo de movimentação de misoginia. Ao mesmo tempo, ainda temos maior participação de mulheres em espaços antes extraditados para elas, que rompem com as representações sociais que nos foram histórica e culturalmente atribuídas. Nesse contexto há um movimento de backlash, ou seja, uma reação à maior luta das mulheres por direitos.”

Além da imposição do medo, da ameaça à integridade física e psíquica da vítima, diz Brandão, a perseguição é um forte indicador de risco para o feminicídio, aumentando em 5% o risco de morte para mulheres. A perseguição no ambiente virtual, como o sofrido por Luana Davico, acontece cada vez mais. “Como temos rápida disseminação das informações na internet, a perseguição por meios tecnológicos tem tanto ou mais eficácia que os atos presenciais.”

Luana descobriu que era a quinta vítima da stalker. Uma já tinha registrado ocorrência e chegou a ser abordada por um homem que alegou ser contratado pela stalker para matá-la.

As ameaças a Luana passaram a incluir familiares da delegada, que eram citados nominalmente, assim como CPF e números de telefone.

A Polícia Civil encontrou a stalker alguns meses depois, em 2019. Tinha acabado de ligar para Luana, então foi presa em flagrante. “Os policiais que a prenderam me contaram que ela disse que gostava muito de mim e essa era a forma dela chamar minha atenção”, relata a delegada. No celular apreendido foram encontradas várias pastas de fotos e informações de Luana.

“Ela também resistiu à prisão, mas são crimes de penas muito leves”, explica a delegada. A stalker ficou um dia presa e saiu após passar por uma audiência de custódia, sob medida cautelar a proibindo de entrar em contato com Luana. Apenas seis horas depois, voltou com as ameaças. No Facebook, escreveu um post direcionado a Luana: “Um dia é da caça, outro do caçador”. Desde então, e outros dois boletins de ocorrência depois, a stalker continua ameaçando a delegada.

No final de 2022, mandou um vídeo com uma faca, dizendo que mataria ela e citando nomes de familiares.

“É muito difícil para uma vítima de perseguição conseguir um bom resultado. Se eu quero vê-la presa? Quero ter paz. Se isso significar ela não ter acesso ao celular, só quero isso. Meu fim não é o punitivismo, mas reconquistar a minha paz”, afirma Luana.

Em 2023, a stalker migrou para o Instagram e voltou de forma ainda mais agressiva. “Bloqueei nove perfis só no ano passado”, conta Luana. “Quem vê de fora pensa que ela só pode ter algum problema psicológico, mas ela deve responder pelos seus atos. Quem está ficando doente sou eu. Ela quer provocar, ver qual o meu limite.

Ela começou a ligar para o meu chefe no trabalho e dizer que ia me matar. Pessoas começaram a se afastar de mim por causa dela.”
Em 2024, Luana registrou outra ocorrência, dessa vez por injúria, difamação, ameaça e stalking.

“Mesmo sendo policial, sou tão mortal quanto qualquer outra pessoa. Ela ja narrou inúmeras formas de me matar, com tiros, esfaqueada, atropelada. Até posso bloquear, mas nesse nível de obsessão, que dura mais de 4 anos, não posso deixar passar. Não é algo natural, que um silenciamento vá resolver. Precisamos de leis que nos protejam, temo pela minha família.”

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