Um dos adolescentes afirma que teve mais de R$ 17 mil desviados; outros valores são apurados
Tirar a carteira de habilitação para dirigir e investir nos estudos eram os planos que um adolescente acolhido em abrigo fazia para o dinheiro guardado em sua conta bancária. Isso seria possível quando completasse 18 anos e saísse da UAI (Unidade Masculina de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes), de Campo Grande.
Durante três anos, foram depositados ali o salário de cerca de R$ 800 que recebia pelo trabalho de menor aprendiz no Fórum da Capital e a pensão alimentícia paga pelo pai, de R$ 245.
Ao chegar à maioridade e consultar o extrato bancário, descobriu que os valores haviam sido desviados por Milton Emílio de Souza, assistente social de 61 anos, que coordenou o abrigo entre os anos de 2018 e 2023 e teve acesso às contas de todos os acolhidos durante todo período. Foi exonerado do cargo após essa e outras denúncias surgirem.
O ex-abrigado registrou dois boletins de ocorrência contra Milton, um por peculato e outro por injúria, já que o então responsável pela tutela dos abrigados também o ofendeu. “Demente, vagabundo, marginal e idiota”, foram alguns xingamentos ouvidos, segundo o registro policial. Outros acolhidos chegaram a ser chamados de “viado” e “biba”, cita também o jovem ao relatar a violência psicológica sofrida.
Ele entrou com uma ação judicial em que pede a devolução do total de R$ 17.655,89 desviados ao longo dos anos, em várias transferências, mais o pagamento de R$ 50 mil em danos morais pelas ofensas.
O local onde ele ficou recebe adolescentes de 12 a 18 anos, do sexo masculino, inclusive com deficiência, encaminhados pela Vara da Infância, Juventude e do Idoso e Conselhos Tutelares, como medida de proteção a situações de risco pessoal e social, retirados das guardas das famílias ou responsáveis.
Inquérito – Além de réu no processo judicial, Milton é investigado em inquérito civil aberto pelo MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).
O órgão de controle já apurou que 48 acolhidos possuíam conta bancária entre janeiro de 2018 e junho de 2023, período em que o abrigo ficou sob a coordenação do suspeito. É possível que haja mais vítimas.
Ao MPMS, a Prefeitura de Campo Grande, que é responsável pela UAI coordenada por Milton, informou que ingressou com ação judicial acusando o ex-diretor de improbidade administrativa pelos desvio de valores. O órgão deu o prazo de 30 dias para a Secretaria Municipal de Assistência Social informar a relação de adolescentes envolvidos e como irá ressarci-los.
As investigações do Ministério Público também apontam que Milton pode ter pedido empréstimos aos acolhidos, com promessa de reembolso acrescida de 3% em juros ao mês, sem ter nunca devolvido os valores. Ele tinha autorização, como tutor, de movimentar 30% de salários, pensões e outros benefícios recebidos pelos acolhidos como o BPC (Benefício de Proteção Continuada), por exemplo, para comprar itens essenciais como roupas, sapatos e medicamentos. Era preciso justificar como os valores foram utilizados.
À polícia, o ex-acolhido, que cobra a devolução dos mais de R$ 17 mil que estavam guardados, contou ter feito apenas uma compra de R$ 180 em calça e tênis com o que tinha em conta. Depois, não usou mais nenhum valor.
Réu – Milton foi intimado para audiência relacionada ao processo judicial e não compareceu. Ele ainda não deu procuração a advogado para representá-lo e não se manifestou no processo judicial movido por um dos ex-acolhidos, que pede a devolução dos valores e condenação por danos morais.