Líderes autênticos aliam efetividade e afetividade. Estão mais interessados em capacitar as pessoas do que em poder e prestígio para si próprios
Pense num cara que era incapaz de pronunciar as palavras “eu te amo” até para a mulher que é o amor da sua vida, que não conseguia manifestar ternura nem diante dos pais e irmãos, a quem também ama… Esse cara era eu. A dificuldade do ser humano de demonstrar afeto e expressar sentimentos, como dizer “eu te amo” às pessoas amadas, ou chorar para extravasar emoções, deriva de bloqueios, traumas e outras experiências que podem gerar conflitos nos relacionamentos, problemas de estresse e transtornos diversos tanto na família quanto no ambiente de trabalho.
Faço essa confissão porque se trata de um fato importante na minha jornada de liderança. Alguém que não tem capacidade de ser autêntico (eu amava, só não sabia dizer) e de ser afetuoso na vida pessoal reproduz esse comportamento na atividade profissional. Eu lidava com minha equipe focado em eficiência, eficácia, efetividade, mas afetividade era algo que eu ignorava. Mas quem semeia vento colhe tempestade, e senti a verdade dessa profecia bíblica na primeira avaliação 360 graus a que fui submetido na empresa em que estava trabalhando. Eu não me via como o melhor líder do mundo, mas o resultado da avaliação foi um soco no estômago: arrogante, inseguro, fechado, pouco flexível.
Encarei aquela avaliação como uma oportunidade para fazer do limão uma limonada. Entendi a necessidade de distinção entre ter um cargo de chefia e ser uma liderança, que atua com base em diálogo, respeito mútuo e cooperação. A partir dali decidi enfrentar os desafios para me tornar um líder com autenticidade. Uma das características importantes do líder autêntico é reconhecer falhas e admitir fragilidades. As pessoas precisam conhecer você, precisam ver que você também tem vulnerabilidades, virtudes e defeitos. A liderança autêntica poderia ser representada numa fórmula de 4 Cs: (mostrar) credibilidade, (gerar) confiança, (praticar) comunicação, (estabelecer) conexões.
Comecei a investir nas características de liderança que eu mirava. Melhorei o suficiente para avançar positivamente nas novas avaliações pelas quais passei. Mas ainda não estava satisfeito com o nível de conexões criadas com a equipe. Faltavam-me características como as do meu pai, meu primeiro exemplo de liderança. Além de profissional de ética irrepreensível na gestão de sua assistência técnica de aparelhos eletrônicos, o “seu” Pedro tratava as pessoas com muito carinho e empatia. Qualidades indispensáveis para eu atingir meu objetivo.
O que parecia uma barreira intransponível começou a mudar com o nascimento do meu primeiro filho, o João Pedro. Decidi que eu poderia ser tão carinhoso quanto o seu avô, e manifestar meus sentimentos sem a preocupação de que isso poderia aparentar fraqueza. Assim, certa noite, levantei-me da cama, quase como se estivesse fazendo algo proibido, e na pontinha dos dedos dos pés — para não acordar minha esposa — cheguei ao berço dele e sussurrei: “JP, eu te amo! Eu te amo, meu filho!”.
Rompido esse bloqueio, comecei a dizer “eu te amo” para minha mulher e me tornei um cara que não tem mais dificuldade para expressar sentimentos, declarar amor ou chorar na frente de todo mundo, como aconteceu num evento quando fui CEO da Iron Mountain, na Espanha. Era um encontro em que familiares de colaboradores que estavam em outro país enviavam vídeos gravados, e a gente surpreendia os colaboradores com os depoimentos. Mas, de repente, o surpreendido fui eu. Apareceu na tela um vídeo da minha família, que estava no Brasil. Minha mãe, pela primeira vez na vida, dizia “eu te amo, meu filho, a gente tem muito orgulho de você. Saiba que a tua mãe te ama muito”. Despenquei no choro por uns 15 minutos, sendo abraçado pela diretora de gente, a Fanny Delgado.
O líder autêntico tem coragem de se expor, não teme que saibam das suas fraquezas, é transparente, expressa sentimentos e emoções de forma genuína, escuta, dialoga, professa empatia. Sendo assim, o líder constrói um ambiente de trabalho saudável, estimula o desenvolvimento individual, consolida relacionamentos, estabelece as melhores referências, compartilha aspirações e se torna fonte de inspiração.
Pesquisas demonstram que equipes que melhor performam não são as que supostamente têm os melhores talentos, os mais capacitados ou as pessoas geniais. Os melhores resultados são proporcionados por equipes que melhor se relacionam, melhor se conectam, nas quais impera a confiança. As pessoas não se conectam com cargos, seja CEO, diretor, gerente, coordenador, seja supervisor. Elas se conectam com o ser humano designado para o cargo. Essa conexão vem por um processo de confiança. E confiança só existirá se houver autenticidade nessas relações. Ter autenticidade é se expor, ter coragem de mostrar vulnerabilidades, mostrar suas imperfeições. Isso não é fácil, mas é o que gera confiança e cria conexões sólidas.
Quando fui CEO do McDonald’s, muitas pessoas me perguntavam como era liderar 60.000 colaboradores. Minha resposta era sempre a mesma: “Quando eu lidero, eu falo com um deles de cada vez, e me esqueço dos outros 59.999”. O principal papel do líder é o desenvolvimento de novas lideranças. É pura ciência, pura matemática. E, quando você cria isso como cultura, transforma numa matriz com progressão geométrica. Imagine que você tenha um grupo de sete subordinados e os transforme em novos líderes. Cada um deles pode criar mais sete, e assim sucessivamente.
Essa força será importante e fará a diferença na medida em que estejam todos na trilha da liderança autêntica. Em seu livro Authentic Leadership, Bill George — que tive a sorte de ter como professor — diz que, depois de anos estudando líderes e seus traços, acredita que a liderança começa e termina com autenticidade e considera que isso não é o que diz a maior parte da literatura sobre liderança, nem o que ensinam os especialistas. Segundo ele, “líderes autênticos desejam genuinamente servir os outros através da sua liderança. Eles estão mais interessados em capacitar as pessoas que lideram para fazer a diferença do que em poder, dinheiro ou prestígio para si próprios”.
Eu ainda recebo mensagens de pessoas que eu liderei e que pude ajudar quando trabalhávamos juntos. Eles querem que eu veja quão longe eles chegaram, e me agradecem por algum ensinamento, alguma conversa, algum encorajamento que dei enquanto trabalhávamos juntos. Foram experiências em que efetividade e afetividade caminharam juntas. Isso é autenticidade.