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A endometriose quase matou a mulher que existe em mim

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Não é cólica, e também não passa quando engravidar. A endometriose é uma doença, e ser confundida com sintomas fisiológicos da mulher é um erro e um desserviço

 

A três meses do meu aniversário de 40 anos, ainda contabilizo mais da metade da minha vida ardendo nas chamas do inferno – foram 21 anos de dores intensas, 18 sem saber o que eu tinha. Nem mesmo morfina e seus derivados funcionavam.

Até respirar doía. Muitas vezes não conseguia sair da cama. Mas como sempre escutei que ter dores no período menstrual era normal, segui a vida como deu, escutando ditados do tempo de nossas avós, como “cólica passa quando casar”, “faz parte da vida da mulher”, “quando engravidar passa”, dentre outros. Graças a esses mitos, eu e muitas mulheres, por gerações, sofremos na pele e na alma as terríveis dores da endometriose sem diagnóstico – uma doença tipicamente feminina que consiste na presença de um tecido semelhante ao endométrio (músculo interno do útero) fora dele.

Anualmente, visitava meu então ginecologista e eu sempre queixava de fortes dores na menstruação, como cólica, dor na lombar, nas pernas, inchaço abdominal. Mas meus sintomas sempre foram ignorados – algo comum. Até que as dores e os incômodos, que antes eram apenas no período menstrual, passaram a ser contínuos, mesmo sem menstruar.

Uma recente pesquisa realizada nas principais capitais do Brasil constatou que 55% das mulheres que menstruam todo mês não gostam. Muitas sentem cólica, incômodos e desconfortos durante o período menstrual. Pois é, ainda é comum relacionar a menstruação com períodos dolorosos e difíceis. Mas será que esses incômodos são “naturais” do corpo? Ou muitas de nós estamos mesmo doentes?

O limite

Eu descobri que tinha algo errado com meu corpo quando outro sintoma apareceu: a dispareunia, dor na relação sexual. Não conseguia fazer o que era tão normal para os outros seres humanos. Além da doença, alguns medicamentos fortes que tomei ainda me deixaram com baixíssima testosterona, ou seja, zero libido. A endometriose pode atingir qualquer órgão do corpo da mulher, e em mim estava também nos ligamentos uterossacro.

Descobri a duras penas que a endometriose mata a mulher que tem dentro de nós. Seja pelas dores causadas pela menstruação ou pela dor que atrapalha (e até impede) relações sexuais. Isso sem falar na infertilidade, que acomete cerca de 50% das endomulheres. Iniciei meu tratamento para a dispareunia, na época pelo SUS, e com ele, como tinha dia e horário (toda quarta-feira, às 15h), fui mandada embora do meu trabalho. Eu não tinha 30 anos e minha vida profissional, que estava indo bem, acabou.

Chegou um ponto em que eu já não conseguia mais andar. A dor venceu e eu perdi tudo o que tinha conquistado até aquele momento. Com a vida devastada e em depressão por conta do desemprego, resolvi criar um blog e comecei a relatar tudo o que eu passava com a doença, meus tratamentos etc. E assim, em abril de 2010, nasceu o A Endometriose e Eu.

De um simples diário de uma portadora de endometriose, oito anos depois, ele se tornou referência mundial no assunto. Fiz duas cirurgias, uma em 2010 e outra em 2012. Nesta última fiquei curada. Em junho próximo vou celebrar meus seis anos de cura e sem nenhum sintoma.

Comecei a estudar a doença segundo os ensinamentos do médico e cirurgião americano David Redwine, que propagou a cura da endometriose mediante a excisão com remoção máxima da doença. Até ele surgir só se ouvia que a doença era crônica e sem cura. Talvez, nem todos os casos terão cura, mas a maioria provavelmente sim. Os focos precisam ser retirados pela raiz e não cauterizados. Apesar de todo meu sofrimento, me sinto uma felizarda por ter caído nas mãos de um cirurgião competente.

Em 2014 o que era um hobby virou empresa e passou a ser meu principal trabalho. Como diz o velho ditado: fiz do limão uma limonada. Hoje sou umas das principais ativistas na causa e dou muitas palestras de conscientização em empresas, pois uma em cada dez mulheres têm endometriose. É muita gente. No Brasil estima-se que somos mais de sete milhões. Desde 2014 sou a capitã da EndoMarcha Time Brasil – Marcha Mundial de Conscientização da Endometriose, que acontece no mês de março em mais de 80 países. Porque quanto mais gente souber, menos gente vai sofrer.

 

 

 

Caroline Salazar é jornalista, autora do premiado blog A Endometriose e Eu, e luta pelo reconhecimento da endometriose como doença social para que haja políticas públicas efetivas no SUS para as endomulheres brasileiras

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