logo-kanal

Da obediência à luta: o agente da Polícia Federal e autor de Autodefesa Contra o Crime e a Violência, Humberto Wendling, fala sobre o que precisamos compreender quando o assunto é sobrevivência

Compartilhar

Você está preparado(a) para lidar com uma situação de risco?

Para pessoas leigas, a ideia da autodefesa pode parecer arriscada, pois se contrapõe à máxima de nunca reagirNo entanto, o especialista Humberto Wendling, agente da Polícia Federal que atua como policial desde 1997, discorda. Autor de livros como Autodefesa Contra o Crime e a Violência, o ex-oficial R/2 do Exército Brasileiro e mergulhador avançado tem uma vasta carreira no que diz respeito à segurança. Além do trabalho investigativo e operacional, ele também se dedica à docência, atuando como instrutor do Serviço de Armamento e Tiro da Academia Nacional da Polícia Federal e dando palestras sobre temas como a autodefesa para policiais, militares, civis e membros da magistratura. O que ele pensa sobre o assunto?

Vamos lá: “Acredita-se, erroneamente, que a autodefesa está diretamente ligada às armas de fogo”, explica Humberto à Uma Revista. “E, como os criminosos utilizam essas ferramentas letais para provocar o medo e dominar as suas vítimas, a conclusão, para se contrapor à essa abordagem delinquente, passa pela ideia do uso de outra arma, seja de fogo ou algum tipo de lâmina, como uma faca ou canivete. Contudo, o segredo da autodefesa não está, necessariamente, no emprego de qualquer tipo de arma, mas na habilidade de evitar situações de risco e companhias ruins. É muito mais uma questão de comportamento pessoal do que ter habilidade em artes marciais, ser forte ou
estar armado, embora todas essas coisas possam fazer parte do que eu chamo de Sistema Integrado de Autodefesa.”

De acordo com o especialista, o pontapé inicial desse sistema é mais simples do que pode parecer e se resume à prevenção.

“Apesar de o assunto também ser de interesse policial, a prevenção contra o crime será sempre a melhor estratégia. Mas isso depende de uma mudança de mentalidade e de comportamento que conduzirá à aceitação de que a responsabilidade pela própria segurança e da família é uma tarefa, inicialmente, pessoal e de todos nós. Obviamente, se a vítima for um policial ou estiver armada, a resposta indicada, se o pior ocorrer, parece ser o uso da arma. Mas isso não diminui a importância da prevenção, pois o que se pretende é evitar o perigo e não confrontá-lo todos os dias.”

O melhor é mesmo nunca reagir? Um tabu a ser desconstruído…

Humberto fala que somos acostumados, desde cedo, à ideia do convívio civilizado sob todas as condições. “Mesmo nas situações mais perigosas, aprendemos a nunca reagir. Inseridos nessa cultura, possivelmente perderemos a capacidade de sermos assertivos. Ocorre que as pessoas assertivas lidam com os conflitos com mais facilidade. Elas se sentem menos estressadas com os problemas, adquirem maior confiança, melhoram a sua imagem e expressam o seu desacordo de modo convincente, sem prejudicar o relacionamento com os outros. Resistem às ameaças, às chantagens emocionais e à bajulação etc. Além disso, reagir é uma qualidade que podemos exercitar ao reclamar de um produto ou serviço ruim, ao pedir desconto em uma compra ou ao expressar uma opinião sincera nas circunstâncias em que normalmente não faríamos isso. Agradecendo e dizendo ‘não’ sempre que alguém oferecer algo que não queremos. E nada disso significa ser mal educado ou dono da razão.” Assim, o especialista afirma que, quando nos encontramos em risco, a assertividade é uma qualidade daqueles que assumem a responsabilidade pela própria segurança e pela compreensão de que a civilidade não se aplica quando a situação é de vida ou morte.

“Por isso, nunca ou sempre reagir é um conselho inadequado na autodefesa, pois o correto é que cada pessoa compreenda que existem opções as quais ela pode selecionar, conforme o seu padrão de sucesso. E essas alternativas vão desde a obediência até a luta!”

Segundo o artigo 25 do Código Penal, “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Dito isso, o terreno da autodefesa pode parecer indefinido para muita gente…

Afinal, no que consiste a autodefesa?

Humberto é muito claro em suas palestras: enquanto há momentos nos quais devemos optar por não reagir, há certas circunstâncias em que só podemos escolher entre a autodefesa ou o pior.

“Chamo isso de Padrão de Sucesso. A definição desse padrão vai determinar as ações de uma pessoa para alcançá-lo. Por isso, é preciso uma reflexão antecipada sobre isso; caso contrário, a pessoa pode escolher a ação errada em um momento crítico. Por exemplo, para algumas pessoas, o sucesso numa situação perigosa significa não serem furtadas. Assim, as suas ações têm relação com a prevenção contra esse tipo de crime, e sempre que voltam para casa sem serem furtadas, elas se consideram bem-sucedidas. Outras acreditam que o sucesso ocorre quando elas não são agredidas por causa de bens de pequeno valor ou fácil reposição. Daí, elas estão propensas a obedecer e a entregar o que possuem porque acreditam que isso as livrará de um mal maior. Outro exemplo, inclusive com a concordância da minha esposa, é que as mulheres acreditam que o maior atentado que podem sofrer é o estupro. Portanto, se qualquer uma delas for abordada por um homem com uma faca que ordena que ela entregue a bolsa, certamente ela obedecerá; mas o criminoso mandar que ela entre num matagal, terreno baldio ou prédio abandonado, ela tentará fugir. Se não conseguir correr, essa mulher seguramente lutará para escapar e evitar o estupro, mesmo arriscando a vida. Esse último exemplo mostra que, numa situação de autodefesa, a pessoa pode ter mais de um padrão de sucesso para uma mesma ocorrência, ou seja, não ser furtada, não ser agredida, não ser violentada”, explica. “Logo, é preciso estabelecer um padrão de sucesso para saber o melhor curso de ação para uma situação de perigo.”

Quando nos encontramos em risco, “Aqueles que nunca foram vítimas ou enfrentaram a violência tendem a priorizar outras coisas em relação à prevenção contra o crime. Essas prioridades se combinam para formar um comportamento e uma rotina que as conduzem para situações perigosas e violentas. Daí, num piscar de olhos, a pessoa é arrastada para uma situação além do controle”, pontua. “O segredo é a pessoa reconhecer quando está se comportando de maneira arriscada. E, para estar a salvo, ela deve estabelecer uma prioridade em relação ao seu modo convencional de agir. Essa prioridade é a própria segurança. Assim, a ostentação, a despreocupação e o excesso de confiança parecem muito importantes até que alguém esteja diante de uma arma. No entanto, a ideia do uso da força física é, ao mesmo tempo, terrível e repulsiva para a maioria das pessoas. Por isso, evitar o perigo, se afastando de conflitos e de indivíduos perigosos é a razão principal para alguém se prevenir. Hábitos saudáveis, aumento do estado de alerta, convívio com pessoas distintas em ambientes selecionados, entendimento sobre a violência são estratégias muito mais compensadoras do que o uso da força física ou letal. Para evitar ser vitimada, a pessoa deve ter certo grau de flexibilidade mental. Isso significa se permitir fazer o que for necessário para sobreviver ou, melhor ainda, evitar o confronto. Em resumo, toda vez que alguém sai de uma situação potencialmente violenta sem ser roubado, espancado, violentado ou assassinado, e sem usar a força física, já é uma vitória. Além disso, nosso maior inimigo é a suposição de que o perigo não vai nos alcançar algum dia. Prevenir-se ajuda bastante, mesmo assim é necessário ter um plano B. Um plano que aumente a capacidade da vítima se livrar do criminoso e ganhar distância até a segurança. Aqui entram as artes marciais, as lâminas e as armas de fogo.”

Conheça o autor: em 2002, Humberto Wendling se voluntariou para participar do curso de formação de instrutor de armamento e tiro da Academia Nacional de Polícia, pois estava em busca de qualificações para o seu crescimento profissional. A partir da apostila recebida, o policial iniciou a sua pesquisa. Mas foi no estande de tiro que eu percebi: certificados não possuem grande valor se não estiverem acompanhados de pessoas com conhecimento, treino e prática. E isso teve impacto na forma como eu entendi a necessidade do preparo para exercer a função de professor.” Atualmente, ele segue aprendendo e ensinando, seja nos treinos para policiais, nos cursos de formação de novos profissionais ou na literatura.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *