Vereadores derrubaram veto, mas prefeitura ignora lei que traz solução ao problema crônico na Capital
Tem lei em Campo Grande para resolver o problema dos fios de internet, telefonia e TV a cabo pendurados nos postes, mas nada mudou desde 2019. Há 4 anos, vereadores “brigaram” com a prefeitura para criar normas e multas, de R$ 500 para cada caso. Na época, a prefeitura vetou a proposta, mas os parlamentares derrubaram o veto. Com isso, a lei foi promulgada pela Câmara Municipal e, em tese, está valendo.
No entanto, a situação persiste. Em 2023, a Energisa já relatou à prefeitura 710 notificações de irregularidades de outras empresas, mas oficialmente a prefeitura nunca aplicou uma multa e atribui a responsabilidade de “resolver” o problema à concessionária.
A lei prevê que “fica a empresa distribuidora de energia elétrica obrigada a enviar trimestralmente ao Poder Executivo Municipal relatório constando todas as notificações realizadas junto às empresas ocupantes, e denúncias junto ao órgão regulador e fiscalizador das ocupantes, bem como a comprovação de protocolo dos documentos”.
Em palavras mais simples, a concessionária Energisa, que não responde pelos fios de internet soltos, tem que notificar as empresas de internet, telefonia e TV. A multa para a concessionária é de R$ 500 “por cada notificação ou denúncia de sua responsabilidade direta que deixar de regularizar ou que deixar de renotificar, se não for de sua responsabilidade direta”.
Se, depois de notificada pela distribuidora, a empresa de internet não realizar a manutenção de seus fios e equipamentos no prazo, também tem que pagar multa de R$ 500 por cada caso.
Só no papel – Considerando as respostas da prefeitura aos constantes questionamentos e denúncias de leitores enviadas ao Campo Grande News nos últimos anos, percebe-se que não há um sistema de notificações e multas, como previsto na lei.
Ignorando o questionamento sobre a aplicação da lei que foi criada para resolver a situação dos fios de internet, a Prefeitura de Campo Grande desta vez respondeu que “a parte que compete ao município com base nessa Lei Complementar é com relação aos fios que conduzem eletricidade”.
Apesar de a lei ter sido publicada na edição do dia 3 de abril de 2019 no seu próprio Diário Oficial, a prefeitura afirma que a responsabilidade com relação aos fios soltos é apenas da Energisa.
Em resposta, a assessoria de comunicação cita a ementa da lei (início) para tentar justificar sua resposta, mas ignora todo o restante do texto.
A própria Lei Complementar 348, de 2019, “Dispõe sobre a obrigatoriedade da empresa concessionária de serviço público de distribuição de energia elétrica e demais empresas ocupantes de sua infraestrutura a se restringir à ocupação do espaço público dentro do que estabelece as normas técnicas aplicáveis e promover a regularização e a retirada dos fios inutilizados, em vias públicas do Município de Campo Grande-MS”, diz a nota da prefeitura, utilizando cópia do texto que resume a lei.
Lei federal – A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), por sua vez, esclarece que “os postes fazem parte de concessão pública outorgada à exploração por distribuidoras de energia elétrica. A Legislação vigente estabelece o direito das prestadoras de serviços de telecomunicações utilizarem de forma compartilhada essa infraestrutura para o lançamento de suas redes, conforme expresso na Lei Geral de Telecomunicações, nº 9.472 de 16 de julho de 1997”.
Em outras palavras, já existe legislação federal para solucionar e coibir a situação. “Cabe às distribuidoras de energia elétrica detalhar as regras de utilização dessa infraestrutura e realizar a boa gestão dos postes, atividade pela qual são remuneradas pelos prestadores ocupantes, podendo ser acionadas em caso de irregularidades. As prestadoras de telecomunicações devem observar a legislação local, o plano de ocupação e, especialmente, a conformidade técnica com as normas de postes de cada distribuidora, sujeitando-se às responsabilidades decorrentes da sua conduta ou omissão na gestão de redes de telecomunicações”, diz a nota da Anatel.
Se não seguirem as leis, os agentes estarão sujeitos às devidas responsabilidades contratuais perante a outra parte. A Anatel destaca que já existem quatro resoluções sobre o assunto para nortear o cumprimento da lei.
O que fazer – Como o tema é previsto em lei que traz regras para o devido cumprimento, qualquer morador ou empresário da cidade que se sentir prejudicado com a situação pode procurar a prefeitura para denunciar fios pendurados ou soltos em rua rua. A prefeitura deve dar uma resposta ao cidadão cumprindo a lei ou justificando caso não intencione atender ao pedido de solução para o prejuízo do morador.
O MP-MS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) também recebe denúncias desse tipo. Por meio da 43ª Promotoria de Justiça, o órgão investiga as diversas ocorrências de fios soltos nos postes de energia da Capital, desde o início deste ano, quando moradores do Condomínio Via Parque, no Bairro Vivendas do Parque, levaram a denúncia.
Lei municipal – A lei municipal foi proposta pelo então vereador André Salineiro. Em 2019, dos 29 vereadores sete votaram para manter o veto do então prefeito Marquinhos Trad (PSD), ou seja, impedir que o projeto virasse lei. A justificativa da prefeitura foi de que não compete ao município legislar sobre esse tema, mas Salineiro argumentou que as medidas sobre regulação do ordenamento territorial, combate à poluição visual, estética urbana e posturas municipais estão sim na competência legislativa do município.
Em MS – Neste ano, o deputado estadual Pedro Kemp (PT) apresentou o Projeto de Lei 183/2023, que estabelece como risco ao Meio Ambiente a presença de fios em desuso existentes em postes de sustentação da rede de energia elétrica em Mato Grosso do Sul e fixa multa às concessionárias. A proposta foi rejeitada pela CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Redação) e arquivada.
Relator do projeto na comissão, o deputado Antônio Vaz (Republicanos) sustentou em parecer que o problema é “competência constitucional da União, que detém a competência privativa para legislar sobre energia elétrica (art. 22, IV), bem como a de explorar tal serviço público (art. 21, XII, “b”) e fiscalizar a sua execução. Portanto, pode-se incorrer em inconstitucionalidade formal”. O parlamentar citou a Anatel como responsável por dar solução à situação.
O Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia informou que as prestadoras de serviços de telecomunicações seguem os padrões estabelecidos em regulamentos e normas técnicas para a instalação de fios e cabos nos postes, incluindo o pagamento pelo uso da infraestrutura, e mantêm equipes de prontidão para manutenção permanente e atendimento de eventuais emergências.
Ainda de acordo com a nota encaminhada, “a fiscalização cabe à empresa proprietária do poste que deve acionar as empresas de telecomunicações para reparos em caso de necessidade”.