Nos barracos que sobraram nas comunidades Avae’te I e II faltam alimentos e também água potável
Ao invés de ‘táticas de guerrilha’ como denunciam proprietários de terras em área de conflitos, o que se vê nas retomadas que ficam no entorno da Reserva Indígena Federal de Dourados são estratégias de sobrevivência. Nos barracos que sobraram nas comunidades Avae’te I e II faltam alimentos e também água potável.
Encravadas entre duas rodovias, as retomadas estão entregues à sorte e convivem há anos com ataques e hostilidades de seguranças particulares de proprietários rurais. Após crescimento recente da tensão na área, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, por meio do Nupiir (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica), fez uma visita técnica ao local na tarde dessa quinta-feira (17).
“Estamos aqui para ouvir de vocês o que realmente aconteceu diante do que vem sendo noticiado nos últimos dias”, disse o defensor Lucas Colares Pimentel, que também anunciou o apoio da DPU (Defensoria Pública da União). Junto com ele estava a assessora jurídica Bianca Cavalcante Oliveira e também Elis Fernanda Corrado, ambas do Nupiir. O encontro foi acompanhado com exclusividade pela reportagem do Midiamax.
Na área disputada entre sitiantes locais e indígenas, os restos dos 15 barracos incendiados e outros derrubados ainda estão à mostra em meio aos vestígios da última colheita de milho. “Eles avançaram com as lavouras para cima das nossas casas com intenção de nos empurrar cada vez mais, invadindo nosso espaço. Como a gente não sai, eles usam da força bruta de seguranças contratados”, relata um dos moradores que está no local desde 2016.
“Estou há muitos dias sem conseguir dormir, com medo do que pode acontecer com a gente. Os tiros durante a noite estão cada vez mais frequentes. No ataque de segunda-feira tive que correr para o meio da mata para não ser agredida”, relata a anciã indígena de 85 anos, uma das moradoras da retomada. “Minha avó viveu aqui e minha mãe também e por isso não sairei desse lugar que pertence ao povo Guarani-Kaiowá”, ressalta.
‘Caveirão e ameaça de estupro’
Além das constantes promessas de ataques com uso do ‘caveirão’ (trator blindado), os moradores da Avae’te confirmaram o uso de drones para monitoramento de tudo que acontece na retomada. Entretanto, as ameaças de violência contra as mulheres chamaram a atenção da equipe da Defensoria.
“Além de dizer que vão nos matar, os ‘jagunços privados’ estão falando também que vão nos estuprar primeiro, inclusive as nossas meninas. E a gente sabe que eles são capazes de qualquer coisa porque inclusive um deles estava preso e agora faz parte do grupo que tem nos atacado. A gente conhece cada um deles. São pessoas muito violentas”, denunciou uma das moradoras da comunidade.
Reconstrução de barracos
Sob o sol escaldante de uma tarde típica de agosto, os indígenas juntavam partes da madeira que sobrou dos barracos derrubados pelos ‘jagunços’ para tentar reconstruir novas moradias. “Enquanto tivermos forças vamos fazer o que for precisou para continuar na nossa terra. Se destruírem tudo, a gente reconstrói tudo”, conta o indígena da Avae’te que cavava buracos para fincar as estacas.
Durante o ataque da última quarta-feira os seguranças privados também derrubaram alguns pés de banana da lavoura da retoma. “Chegam destruindo tudo como se não existissem ninguém. Tudo isso deixa a gente muito triste”, reclama uma das moradoras da comunidade, com o filho pequeno no colo.
‘Retiram terra e jogam entulhos’
Os indígenas também denunciam possíveis práticas de crimes ambientais na área. No local, caminhões são vistos com frequência no local. “Eles retiram terras que são levadas para comercialização na cidade e trazem cambas de entulhos que são despejadas no local.
Enquanto os representantes do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Povos Indígenas e da Igualdade Racial e Étnica conversavam com os moradores, a reportagem flagrou o fluxo de veículos na área.
‘Resguardar a vida e a segurança das comunidades de Dourados’
No entendimento da defensoria público os relatos dos indígenas da comunidade Avae’te são extremamente preocupantes e requer uma ação imediata do poder público, em especial dos órgãos de segurança. “Precisamos cessar os conflitos nessas áreas de retomadas para evitar consequências ainda mais desastrosas”, explicou Lucas, já fez uma série de encaminhamentos pedindo providências em relação aos recentes conflitos.
“Consta que no dia 15 de agosto oito pessoas armadas invadiram e incendiaram as casas da comunidade, obrigando os moradores a correr e a se esconderem nos matos da vizinhança para se protegerem dos disparos de arma de fogo”, diz um trecho do ofício assinado pela DPU e também pela Defensoria Pública de MS.
O documento foi encaminhado para o Conselho Nacional dos Direitos Humanos.os ministérios da Justiça, dos Diretos Humanos e da Cidadania, dos Povos Indígenas – que já pediu ações da Superintendência da Polícia Federal em MS e da Delegacia da Polícia Federal em Dourados.
“Dentre os moradores da comunidade, há crianças e idosos e tendo em vista o retrospecto recente de conflitos entre a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul e comunidades Guarani e Kaiowá, é imprescindível que as autoridades federais tomem providências urgentes para resguardar a vida e a segurança das comunidades de Dourados/MS contra os ataques”, relata os órgãos de defensoria.
Nas denúncias feitas ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e aos três ministérios, também foi relatado um ataque dias antes a comunidade Ivy Rory Poty. Segundo o documento, homens armados ”efetuaram disparos de arma de fogo , quando crianças se deslocavam para a escola causando enorme risco de morte”.