Rota do narcotráfico na fronteira com Paraguai e Bolívia fortalece organizações interestaduais no Estado
Mato Grosso do Sul se tornou o principal destino de facções vindas de outros estados, funcionando como o maior “importador” dessas organizações no país. A localização estratégica, cortada por rotas do narcotráfico que ligam o Brasil ao Paraguai e à Bolívia, atraiu dez das doze facções interestaduais identificadas pelas autoridades. Essas organizações instalaram bases na região para facilitar o tráfico internacional de drogas.
Segundo levantamento inédito realizado pelo jornal O Globo, baseado em informações de secretarias de Segurança Pública, administrações penitenciárias e Ministérios Públicos de todos os estados, existem atualmente 64 facções criminosas espalhadas pelo Brasil, variando entre grandes redes e grupos de alcance local. Os nomes chamam atenção: alguns lembram apelidos de integrantes, outros vêm de músicas conhecidas ou de marcas de automóveis.
Entre as facções de maior alcance estão o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho), que dominam o cenário nacional. O PCC está presente em 25 estados, enquanto o CV atua em 26. O Rio Grande do Sul, único estado onde esses dois grupos ainda não se estabeleceram, é dominado por facções formadas localmente como BNC (Bala na Cara) e os Manos.

No ranking de estados com mais grupos atuando, a Bahia lidera com 17, seguida por Pernambuco com 12 e pelo Mato Grosso do Sul com 10. Entre elas, estão: ADE (Amigos do Estado); Os Manos; BNC (Bala na Cara); CDS (Cartel do Sul); PGC (Primeiro Grupo Catarinense); BDM (Bonde do Maluco); TCP (Terceiro Comando Puro); PCC (Primeiro Comando da Capital); CV (Comando Vermelho) e Okaida.
Nos dois estados nordestinos, há uma disputa pulverizada entre facções locais; já no território sul-mato-grossense, a predominância é de organizações importadas.
Embora o PCC tenha presença até fora do Brasil, a participação de grupos estrangeiros no país é rara. Uma das poucas exceções está em Roraima, onde membros do Tren de Aragua, originário da Venezuela, foram identificados. O Rio de Janeiro, por sua vez, é o maior “exportador” de facções para outros estados, com o CV e ainda o TCP (Terceiro Comando Puro) e o ADA (Amigos dos Amigos).
Especialistas apontam que é difícil medir se o número de facções está crescendo ou diminuindo, pois não há um critério oficial que diferencie esses grupos de gangues menores. A Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) mapeou 88 organizações atuando dentro de presídios em 2024, mas não divulgou os nomes. Parte dessas atua apenas intramuros, como o PVI (Povo de Israel), no Rio de Janeiro.
Segundo o professor Benjamin Lessing, da Universidade de Chicago, há uma tendência de “faccionalização” no país, impulsionada principalmente pela expansão do PCC a partir de 2010. Naquele período, integrantes de outros estados iam a São Paulo para aprender a refinar pasta base em cocaína, receber armas, drogas e instrução sobre formas de arrecadação como as rifas. O objetivo não era dominar territórios, mas estabelecer presença em pontos estratégicos para o tráfico.
No Norte e no Nordeste, muitas facções surgiram para resistir ao avanço paulista, como o GDE (Guardiões do Estado), no Ceará, e a extinta Família do Norte, no Amazonas.

Guerra entre facções – Em 2025, Mato Grosso do Sul enfrentou uma escalada significativa na violência associada ao narcotráfico, com destaque para confrontos entre facções criminosas e mortes violentas. O Campo Grande News noticiou diversos casos que evidenciam a intensificação desse cenário.
Em fevereiro de 2025, o jornal destacou que, no ano anterior, Mato Grosso do Sul registrou 86 mortes em confrontos com a polícia, superando as 15 mortes atribuídas a facções criminosas no mesmo período. A maioria dos homicídios relacionados às facções ocorreu em Sonora, cidade a 392 quilômetros de Campo Grande, palco de disputas entre o PCC e o Comando Vermelho. Em 2024, sete pessoas foram assassinadas em Sonora, algumas delas por engano, em meio à guerra entre as facções.
Além disso, nos primeiros cinco meses de 2025, Campo Grande registrou 71 homicídios dolosos, representando um aumento de 42% em comparação ao mesmo período de 2024, quando foram registradas 50 mortes. Esse crescimento acompanha a tendência estadual, com 185 vítimas entre janeiro e maio de 2025, mesmo número de 2023 e superior às 152 de 2024.
O outro lado – Procurado, o secretário estadual de Justiça e Segurança Pública, Antônio Carlos Videira, disse que a localização estratégica do Mato Grosso do Sul faz com que ações de combate ao crime organizado no Estado tenham reflexo “para o Brasil inteiro e até outros continentes”. Segundo ele, a taxa de encarceramento local supera a média nacional, enquanto o país tem cerca de 360 presos para cada 100 mil habitantes, o Estado tem mais de 700, conforme dados do CNJ. “Somos o estado que mais apreende drogas no país, tanto pelas forças estaduais quanto pela Polícia Federal e Rodoviária Federal”, afirmou.
Videira ressaltou que o aumento nos confrontos com a polícia é reflexo da disputa entre facções para se instalar em MS e explorar as rotas do tráfico internacional. Ele afirmou que, mesmo com essa pressão, o Estado mantém índices de criminalidade abaixo da média nacional e investiu mais de R$ 2 bilhões nos últimos anos em aeronaves, viaturas, tecnologia, equipamentos e treinamento. “Parte da droga que passa por aqui é monitorada e apreendida em outros locais, como portos e aeroportos, para identificar destino e rota”, acrescentou.
Para o secretário, a integração das forças estaduais com órgãos federais e polícias do Paraguai e da Bolívia é essencial para conter o avanço das organizações criminosas. “Nossas ações têm impacto nacional e internacional, porque estamos na porta de entrada dos principais fornecedores de drogas e outros produtos ilícitos. Por isso, precisamos estar sempre focados, integrados e investindo com inteligência para proteger não só a nossa população, mas o restante do país”, concluiu.
