Segundo a polícia, moto com dados reais de pessoas idôneas passam de “mão em mão” dos criminosos
Com placa clonada, idêntica à original, uma moto foi usada em sequência de assaltos em Campo Grande e repassada de criminoso para criminoso para cometer novos roubos. Entre as vítimas, estavam crianças a caminho da escola, abordadas por uma mulher armada no Bairro Aero Rancho. A cena incomum e o envolvimento feminino no roubo chamaram atenção até da polícia.
“O inusitado foi a participação dela. Isso não é comum no dia a dia das ocorrências”, destacou o delegado Jackson Vale, da Derf (Delegacia Especializada de Repressão a Roubos e Furtos), durante coletiva de imprensa nesta terça-feira (2).
Mas o assalto às crianças foi só o primeiro capítulo de uma investigação que revelou a engenhosidade dos assaltantes por trás de uma moto dublê – cópia exata de um veículo legal, pertencente a uma família sem qualquer envolvimento com crimes.
Investigação – No dia 11 de junho, seis dias após o crime contra as crianças, uma farmácia foi assaltada. No dia seguinte, uma padaria no Bairro Parati também foi alvo de criminosos. Em todas as ações, a moto “camaleão” usada era a mesma.
“Conseguimos parte da placa e rastreamos até uma casa no Bairro Nova Campo Grande. Era tudo idêntico: a moto, a cor, até a maçaneta. Mas os moradores eram pessoas de bem e a moto, sem restrições. Estávamos diante de um dublê”, explicou o delegado.
A engenhosidade dos criminosos surpreendeu: a placa falsa tinha até QR Code, recurso que normalmente confere autenticidade. “Eles clonam motos com as mesmas características e fixam uma placa aparentemente legal. Nesse caso, até o QR Code e os detalhes da lataria eram iguais”.
Enquanto essa linha de investigação se desenrolava, outra ponta se abriu. O Garras (Delegacia de Repressão a Roubos a Banco) abordou uma dupla que se preparava para cometer novos crimes. Durante a ação, Eryson Breno Souza Vasques reagiu e acabou morto em troca de tiros. O comparsa fugiu.
A moto usada pela dupla era a mesma “camaleoa”, com placa clonada. Os investigadores descobriram que Erysson havia recebido o veículo dois dias antes, entregue por Rafael dos Santos Oliveira, conhecido como “Paulista”, morador do Aero Rancho – o mesmo bairro onde as crianças foram assaltadas.
Presos – A polícia foi atrás de Paulista, mas descobriu que ele e o comparsa já haviam sido presos em decorrência de outro roubo. Na casa de Paulista, a polícia encontrou roupas e o capacete usados pela mulher no dia do crime contra os estudantes. A autora foi identificada, tem passagens pela polícia e está foragida.
A mulher, segundo a investigação, participou do crime junto com Paulista. Já o comparsa que foi preso com ele participou dos assaltos à farmácia e à padaria. “Eles confessaram uma sequência de crimes e disseram que, além dos roubos, também passaram a roubar veículos para repassar. Essa parte será investigada pela Derfurv”, explicou o delegado.
Os dois homens foram indiciados e tiveram prisão preventiva decretada.
Paulista tem histórico pesado: ficou preso 14 anos em São Paulo e outros cinco anos em Nova Andradina (MS) por tráfico de drogas. Foi classificado como de “extrema periculosidade” pelo delegado. O comparsa não tem antecedentes por crimes violentos. A mulher segue sendo procurada pela Derf.
Apesar da confissão do comparsa, Paulista nega participação no roubo às crianças. “Eles ficaram assustados com a repercussão, por se tratar de menores”, afirmou o delegado.
O uso de motos clonadas com placas idênticas – muitas vezes com dados reais – torna a identificação dos autores mais difícil e expõe uma nova forma de operação no submundo do crime: veículos que circulam livremente, mudando de mãos entre quadrilhas. O delegado explicou que agora a polícia investiga quem está fabricando essas placas.