Em outubro passado, o local, por determinação judicial, devia ser fechado; lá foram flagrados casos de tortura e maus-tratos
O delegado chefe da Decon (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra as Relações de Consumo), Reginaldo Salomão, na tarde desta quinta-feira (12), ouve três homens flagrados no prédio da Clínica de Reabilitação Filhos de Maria, em Campo Grande, que foi interditada por maus-tratos e tortura, em outubro passado.
Nesta manhã, operação envolvendo polícia e Defensoria Pública amanheceu no espaço localizado na Chácara dos Poderes. Porém, não encontrou ninguém. A operação ocorreu três dias após denuncia da continuidade da Comunidade Terapêutica Filhos de Maria, em Campo Grande.
Embora a determinação judicial pelo fechamento da clínica que cuida de pessoas afetadas por doenças mentais, dependência química e alcoólicos, a Filhos de Maria seguiu funcionando — agora, com nome diferente: Renascer, conforme apurado.
No dia da interdição, a então clínica era ocupada por ao menos 80 pacientes que denunciaram maus-tratos no local.
Polícia segue na investigação
“Vamos verificar a situação de cada um aqui porque um deles, na abordagem, a gente desconfia que ele tem algum problema de saúde mental também. Isso tem que ser considerado para a decisão da prisão. Se ele tiver, a gente não vai prender”, disse o delegado logo no início do depoimento.
Reginaldo Salomão disse ainda: “vamos tentar descobrir quem organizou isso, quem reabriu essa empresa de forma clandestina, quem está desobedecendo à ordem judicial”. E completou: “já temos certeza aí do crime de fraude, que é inserir em documento público informação inexata, falsa”.
Salomão disse ainda que os eventuais donos da clínica praticam outro crime, além dos apurados casos de maus-tratos.
“Uma das característica dessas clínicas é que eles [proprietários] não têm empregados. É um trabalho escravo. Não paga. Ele [interno, paciente] acorda 4 ou 5 horas da manhã, trabalha até a noite. Fazem acolhimento [ficam internados] em troca de teto, de comida. Não há um tratamento terapêutico sério para o tratamento terapêutico ter que ser individualizado, não há um médico, não há nada”, afirmou Reginaldo Salomão.
“Outra coisa, a determinação judicial é para que fosse internada [paciente] numa clínica, não numa comunidade. Então, até nisso, eles falsearam as informações que eles encaminharam para o juiz”, afirmou o policial.
Já quanto aos três homens que prestam depoimento, o delegado afirmou que um deles estava com mandado de prisão. “Não, não são as pessoas que estavam ocultando a vítima que estávamos procurando. Um deles, que está com mandado de prisão, foi o que foragiu. Na verdade, quando chegamos, ele estava no local. Quando fazemos fiscalizações, a gente toma todo cuidado para não constranger quem está buscando o tratamento. Ele sumiu. Agora, na busca, a gente conseguiu qualificá-lo. E ali a gente descobriu que ele está com mandado de prisão em aberto, então a gente está procurando”.
No caso, o delegado cita que um homem foragido da justiça que estava na clínica que funcionou até agora clandestinamente havia escapado ao perceber a operação policial.
Defensoria pública
A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul acompanhou a operação policial que, pela segunda vez, interditou a clínica de recuperação. Eni Maria Diniz, defensora pública, disse que em outubro passado, junto ao mecanismo nacional de combate e prevenção à tortura, flagrou sérias violações no local chamado Filhos de Maria.
“Nós entramos com a ação judicial e o local foi interditado. Então houve uma decisão de interdição e de determinar que todas as pessoas que estivessem ali fossem realocadas aos familiares ou encaminhadas pra rede de saúde porque ali não havia o atendimento médico adequado. Essa decisão foi tomada pelo juiz e em fevereiro desse ano houve uma audiência judicial na qual os proprietários dessa comunidade não se dispuseram a corrigir os problemas e resolveram fechar. Eles fizeram uma informação processual de que o local teria sido fechado, que não haveria mais nenhum tipo de acolhimento, nenhum tipo de atividade”.
Contudo, pela explicação da defensora, o prometido não foi cumprido.
“No entanto, nós verificamos um processo judicial, onde a Defensoria atua em defesa de uma determinada pessoa, que havia uma informação de que esse paciente, esse assistido, estaria novamente internado nesse mesmo local, só que com outro nome. Então somando essa notícia veiculada, com a informação processual que tínhamos, que o paciente estaria no mesmo local novamente, só que com outro nome e idade, nós acionamos um grupo multi-institucional do qual faz parte, a Defensoria Pública Estadual, o Ministério Público Federal, a vigilância sanitária estadual, vigilância sanitária municipal, a delegacia do consumidor e também o Conselho Regional de Farmácia. E fomos fazer uma visita de constatação no local para ver se estava funcionando, se não estava funcionando e se aquele paciente assistido da Defensoria Pública estaria lá. Chegamos lá hoje de manhã, não havia nenhum acolhido, só um grupo de trabalhadores que estaria reformando o local, aguardamos a pessoa que se dizia representante chegar e aí questionamos o destino desse paciente, onde estava? Entramos em contato com o advogado da família, com a família e a informação que tinha que ele teria que estar naquele local e ele não estava. Então aguardamos e a delegacia do consumidor fez uma investigação, uma busca para localizar esse paciente que estava desaparecido e ele depois foi localizado. Agora a Defensoria vai atuar como curadora dele e fazer o acolhimento. Ele precisa ser acolhido porque ele é de fora, a família é de outra cidade”.