O tema tem assustado as famílias há algum tempo, mas ganhou novo destaque com o sucesso da série Adolescência, da Netflix. Psiquiatra explica o que os pais precisam saber sobre o assunto e como proteger crianças e adolescentes
Embora não seja surpresa para ninguém o fato de que a internet está repleta de perigos para crianças e adolescentes, o enredo da série Adolescência tem causado pesadelos em mães e pais. Nela, um menino de 13 anos é o principal suspeito pelo assassinato de uma colega da escola. O crime teria relação com a cultura incel, um movimento que se espalhou em fóruns e redes sociais, ganhando adeptos em todo o mundo. Mas, afinal, o que é a cultura incel e por que ela é tão perigosa, sobretudo para adolescentes e jovens?
Incel é a abreviação de “involutary celibacy”, em inglês, que significa celibato involuntário. “É um fenômeno social e online, que apareceu, inicialmente, como uma comunidade de apoio para pessoas que se sentiam isoladas e com dificuldades de estabelecer relacionamentos românticos ou mesmo sexuais”, explica o psiquiatra Danilo Baltieri, professor Livre-Docente pelo Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Porém, a proposta que era positiva foi apropriada por um grupo predominantemente masculino, que acabou adotando uma visão extremista, misógina e, muitas vezes, violenta. Os incel acreditam que a sociedade privilegia poucos homens, aqueles que são considerados atraentes, por uma questão sexual. Eles atribuem até um nome a essas pessoas, que seriam os homens musculosos, bonitos e altos: são os “Chads”. Esses homens são os únicos escolhidos por um grupo de mulheres, que eles convencionaram chamar de “Stacys”.
“Os incel, frequentemente, culpam essas mulheres e a sociedade moderna pela própria exclusão sexual e romântica, adotando uma visão niilista, repetitiva, conhecida como black pill”, explica Baltieri. Segundo esse conceito, a atratividade física e o sucesso romântico são determinados geneticamente e, portanto, são imutáveis. “Essa ideologia é marcada, então, por sentimentos de raiva, ressentimento, desesperança, isolamento, ostracismo. Em alguns casos, pode levar à radicalização e a comportamentos grupais. Quando crimes ocorrem devido a essa radicalização, são chamados crimes de ódio por motivação”, afirma o psiquiatra.
Perigo na palma da mão
Na série, um dos pontos mais impressionantes é notar como o contato com esse tipo de cultura pode ser silencioso para as famílias. Os discursos são distribuídos e se fortalecem pela internet, em redes sociais e fóruns online. Enquanto a família acredita que a criança ou o adolescente está seguro, no quarto, ele está sozinho em um mundo sombrio e perverso.
Baltieri conta que, ao analisar exemplos de conteúdo desta corrente, percebe uma certa sensação de orgulho em pertencer a tais grupos. “Eles se sentem massacrados, isolados, vilipendiados devido a uma estrutura social atualmente não patriarcal”, aponta. E nem é preciso se esforçar tanto para cair nessa corrente. “Mesmo alguns ritmos de recomendação dessas plataformas online podem expor os adolescentes a vídeos e postagens que promovem as ideologias extremistas, normalizando o ódio, a vingança e a misoginia. O impacto na vida e na formação dos adolescentes pode ser significativo”, afirma o psiquiatra.
A partir da exposição a essas ideologias, os jovens podem internalizar crenças distorcidas sobre relacionamentos, autoestima, gênero e diversidade. “Os adolescentes que já se sentem isolados, rejeitados, excluídos, podem ser particularmente vulneráveis a essas narrativas de ódio, misoginia e vitimização, que pode agravar sentimentos de depressão, ansiedade e desesperança. Em casos extremos, isso pode levar à radicalização e à adoção de comportamentos violentos grupais ou estimulados pelo grupo”, aponta o médico.
Como proteger seu filho?
Além do diálogo aberto, é importante ficar de olho no seu filho e supervisionar as atividades, zelando pela segurança fora das redes, mas dentro delas também. “Para proteger as crianças e os adolescentes dos impactos negativos da cultura incel, é essencial uma abordagem bastante ampla, que chamamos de multifacetada”, diz o psiquiatra. Aqui, ele aponta alguns dos pontos fundamentais.
- O tema da cultura incel e dos perigos da internet deve, sim, ser abordado por iniciativa dos pais, de forma aberta, sem julgamento. É importante criar um ambiente seguro e amistoso ao mesmo tempo, em que os filhos se sintam à vontade para falar sobre suas esperanças, suas dúvidas, seus medos, sua autoestima, sua autoimagem, explorar dúvidas sobre os relacionamentos e sobre a própria sexualidade, entre outros. Você pode iniciar a conversa perguntando o que seu filho sabe sobre o tema incel e outros e se ele já foi exposto a conteúdos relacionados ao extremismo. Lembre-se: os pais devem saber que estão sendo ouvidos, mas também precisam ouvir. É uma estrada de mão dupla e não de mão única.
- É essencial que os pais eduquem os filhos sobre a importância do respeito mútuo, da igualdade de opinião, da importância, da diversidade e da rejeição de qualquer tipo de discurso de ódio. Os pais também devem falar sobre os perigos de qualquer radicalização e sobre a importância de questionar as fontes de informação e as ideologias extremistas.
- Nada de quartos fechados por horas e de tela de computador sem vigilância constante. Os pais devem estar cientes do que os filhos consomem online e, se necessário, utilizar ferramentas de controle social para limitar o acesso a conteúdo prejudicial. Mas tudo isso sempre deve ser feito de forma transparente, para não criar um ambiente de desconfiança ou mesmo de rusgas.
- Pais, educadores, professores, enfim, devem promover conversas abertas sobre relacionamentos saudáveis, autoestima e autoimagem. Alguém que se acha feio ou inferior geneticamente, na verdade, não é. A pessoa pode ser diferente de umas, semelhante a outras, mas não existe inferioridade – e é importante que os adolescentes saibam disso.
- Encoraje seu filho a participar de atividades sociais, atividades comunitárias, atividades físicas e tudo o que possa ajudá-lo a construir relacionamentos saudáveis e a se sentir conectado. Ter uma rede de apoio emocional real – e não apenas virtual – é crucial para prevenir isolamento, solidão e insegurança.
- Atenção à saúde mental! Se os pais percebem que os filhos estão lutando com sentimentos de depressão, ansiedade, tristeza, rejeição, é urgente procurar ajuda profissional. Psiquiatras e psicólogos podem oferecer suporte emocional e estratégias para lidar com os sentimentos de forma saudável e equilibrada, melhorando a qualidade de vida, impedindo consequências danosas.