Para Zeina Latif, Mato Grosso do Sul tem vantagens competitivas e já não depende de incentivos para atrair investimentos
Tema recorrente de inúmeros debates, a reforma tributária traz ainda muitas dúvidas para a sociedade civil. Entre as grandes discussões travadas por setores da economia e gestores dos entes federados está a mudança no modelo de cobrança de impostos e o fim dos incentivos fiscais oferecidos pelos estados para atrair empresas. Para a renomada economista Zeina Latif, Mato Grosso do Sul não deverá sofrer grandes impactos com o novo modelo de tributação, já que fez a “lição de casa”.
A reforma tributária trouxe a extinção dos benefícios fiscais concedidos pelos estados, exceto para os casos previstos na Constituição, visando uniformizar a tributação e reduzir a competição desleal entre as unidades federativas, ou seja, acabar com a chamada “guerra fiscal”.
Questionada sobre a possibilidade de Mato Grosso do Sul perder com o fim dos incentivos, a doutora em Economia frisa que quem fez um bom trabalho não sofrerá com o processo de desindustrialização, como é o caso de MS.
“A guerra fiscal dos estados, em um primeiro momento, ajudou desconcentrar, mas foi ficando muito claro para os governadores que o nível de renúncia fiscal estava ficando absurdo. Porque realmente ela parou de cumprir seu papel, vamos dizer assim, e estava gerando uma renúncia tributária muito forte. Sem contar que o ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] foi se tornando um imposto obsoleto. Para aqueles estados que conseguiram mudar de patamar, que utilizaram o ganho que tiveram de arrecadação com a atração dessas empresas e sofisticaram os seus setores, eu não vejo por que ter desindustrialização”, explica a economista.
A “guerra fiscal” ocorre porque, hoje, o modelo tributário permite que um estado institua, regulamente e cobre o ICMS, podendo conceder, nos termos da Lei Complementar nº 160/2017, incentivos fiscais para o pagamento do imposto pela iniciativa privada. Os benefícios fiscais concedidos pelos estados, normalmente, buscam fomentar determinadas atividades.
Com a chegada do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), os estados não poderão mais conceder incentivos fiscais, já que a Constituição trouxe os regimes favorecidos de tributação, com a possibilidade de redução a zero de alíquotas ou com a concessão de incentivos fiscais específicos regulamentados por lei complementar.
Vale ressaltar que os incentivos fiscais do ICMS ainda permanecerão vigentes até 2032. A redução dos benefícios ocorrerá de forma gradual durante o período de transição, e essa diminuição começará em 2029 e os benefícios serão extintos completamente em 2033.
“Do ponto de vista dos motores de crescimento do País, tem excelentes notícias, mesmo que a gente não colha esses frutos rapidamente. No caso, vai ter ainda a transição até 2032, mas eu não acho que, assim, virou a chave e vai ser o fim do mundo. Cada estado tem suas particularidades. O benefício lá na frente é para todo mundo”, reforça a economista.
INDÚSTRIA
Zeina Latif ainda avalia que, para que a economia deslanche de vez, é necessário que haja um maior investimento na indústria e na comercialização dos produtos industrializados.
A economista avalia que houve uma queda grande nos investimentos em industrialização nos últimos anos e é necessário que haja essa expansão para que o País cresça.
“No caso da indústria, caiu muito a taxa de investimento, e isso é um problema. A reforma tributária do IVA [Imposto sobre Valor Agregado], traz um alívio para a indústria, não de forma unificada, a gente sabe. Depende do estado, do que produz, enfim. Mas o efeito multiplicador na economia é forte, porque a indústria tem um peso muito importante. O efeito multiplicador da indústria é muito grande. Então, por exemplo, parte do setor de serviços vem atrás, porque é justamente de provedores de serviços para a indústria”, reitera.
A economista não minimiza a importância do agronegócio para o desenvolvimento econômico, mas aponta que os setores estando interligados, como no caso da agroindústria, corroboram para um crescimento mais assertivo.
“O agro, apesar de ter sido crucial para o Brasil superar aquele problema que a gente chama de vulnerabilidade externa, não é exatamente um puxador de crescimento sozinho. A gente realmente precisa da indústria. Você ter a commodity processada, com um ambiente de negócios mais razoável e um sistema tributário mais racional, acho que é um salto que a gente pode ter. Eu realmente acho que a gente pode ter bons efeitos”, ressalta Zeina Latif.
Ainda segundo ela, a reforma tributária caminha a passos lentos, mas, ainda assim, traz uma mudança necessária para o sistema tributário da economia brasileira.
“São engrenagens que vão aos poucos se azeitando, por isso que eu não tenho uma leitura negativa, só me preocupo com esse azeitamento ser muito lento, com muitos retrocessos, a gente vê velhos hábitos voltando, me preocupa a lentidão”.
A China é o principal destino das exportações nacionais. Conforme já noticiado, o país asiático consome atualmente 48,36% da produção de Mato Grosso do Sul. A economista reforça que a diversificação de mercados é um passo importante para o crescimento econômico.
“Olhando para o futuro, eu realmente acho que seria importante o Brasil diversificar, não ficar dependente só da China. Na pandemia foi bom, mas é importante sair o acordo com a União Europeia. Obviamente, sou muito cética, não vai sair no atual governo, mas a gente produz, a gente é competitivo e pode ser mais”, finaliza Zeina Latif.
Saiba
Zeina Abdel Latif esteve em Campo Grande, na manhã desta terça-feira, na sede do Sebrae-MS. Zeina é consultora econômica com mestrado e doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP).
Teve passagem por várias instituições financeiras, foi economista-chefe da XP e, antes disso, trabalhou no Royal Bank of Scotland, ING, ABN-Amro Real e HSBC. Foi conselheira do Conselho para o Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República no governo de Michel Temer.