Recentemente, uma usuária do TikTok decidiu expor publicamente mensagens e áudios que recebia do namorado, o que incentivou muitas mulheres a fazerem o mesmo. Segundo a advogada Ana Paula Braga, esse comportamento em um momento de fragilidade pode ser um tiro no pé; entenda os riscos
Em agosto, Giovanna* usou o Tiktok para desabafar. Ela compartilhou áudios que foram enviados por seu ex-namorado durante o relacionamento que os dois viveram. Em uma das mensagens, ele se irrita durante uma discussão. “Se eu te xinguei e gritei com você, é porque você merece. Para de ser vítima!”, dizia o rapaz.
A tiktoker afirma que foi vítima de um relacionamento abusivo que durou dois anos, entre idas e vindas. Ao longo deste período, ela não apagou nenhuma das mensagens que recebeu, porque se sentia psicologicamente pressionada.
“No começo, ele era uma pessoa simpática, mas, a partir do segundo mês começaram os abusos psicológicos. Tomei a decisão de expor, porque sabia que outras mulheres poderiam ter passado por uma situação parecida”, relata ela a Marie Claire.
‘Pensei que tinha arrumado a pessoa certa, mas as manipulações apareceram’
Em 2022, Giovanna e o ex deram início ao namoro. Tudo parecia bem até o tom das mensagens mudar: “Eu pensei: ‘Meu deus, finalmente arrumei a pessoa certa’, mas depois, as manipulações apareceram”, diz. Nos áudios, enviados pelo WhatsApp e Instagram, o rapaz fazia críticas ao estilo de vida da então namorada, detonava a forma como ela se comportava e repreendia as atitudes que a tiktoker tinha quando os dois brigavam.
“Fod*-se que você está mal. Quem está mal não faz as m*rdas que você faz, de fechar a [matrícula] da academia, de postar foto da b*nda”, opinava ele nas mensagens.
Ao longo dos dois anos que passaram juntos, Giovanna conta que era criticada com frequência. Mesmo após ser traída, Giovanna disse que continuou e era repreendida caso tocasse no assunto. “Você não pode me tratar do jeito que você acha que pode. Eu te traí, mas as coisas já estão claras e você me perdoou. É uma outra coisa você achar que tem o direito de me tratar como uma louca, só porque fiz isso”, dizia o ex-namorado no áudio. Só no TikTok, são mais de 17 minutos de áudios expostos por Giovanna. Em abril deste ano, ela decidiu dar um ponto final à relação, mas as brigas continuaram.
Tiktoker expõe áudios do namorado
Mas, será que é permitido expor publicamente mensagens recebidas em aplicativos? Em entrevista para Marie Claire, a advogada Ana Paula Braga, especializada em direitos das mulheres, explica que, no âmbito jurídico, a quebra do silêncio pode gerar processo e muita dor de cabeça — mesmo que as mulheres estejam em posição de vítima.
Desabafo vs. exposição
Braga explica que a divulgação de áudios, vídeos ou fotos do agressor, que explicitem sua identidade podem configurar crimes contra a honra, além de cyberbullying, se o caso se tornar um linchamento virtual.
“A dor dessas mulheres é legítima e não podemos desqualificar isso”, declara ela que aconselha as mulheres a denunciarem. “O sistema não permite que se faça justiça com as próprias mãos”, comenta.
“Há uma dificuldade em levar esses casos ao meio jurídico. Se elas buscam justiça nas redes sociais, elas podem sair punidas pela Justiça,”, pontua. Em muitos casos, mulheres são condenadas a indenizar seus ex-companheiros.
A quebra do silêncio
Não é a primeira vez que mulheres se unem em movimentos cibernéticos para expor agressores. Desde 2006, com o movimento Me Too, mulheres de todo o mundo expuseram violências que afirmam ter sofrido.
“Recebi muitos relatos de meninas que através do que expus entenderam que estavam em um relacionamento abusivo. Falei com ex-namoradas dele também que confirmaram que era a mesma coisa, um ciclo. O comportamento nunca mudou”.
É possível expor situações de abuso na web sem cometer um crime?
O ex de Giovanna tem ciência de que os áudios foram expostos, mas não tentou contatá-la e nem acionou a Justiça. Ainda assim, a autora do exposed teme que seja alvo de um processo no futuro, mas não cogita a possibilidade de remover o conteúdo das redes: “Sei que tudo pode acontecer, mas sigo confiante e positiva. Ele está totalmente errado. É ele que precisa mudar”.
A advogada entende que a exposição foi uma tentativa de defesa, mas não aconselha outras meninas sigam o exemplo de Giovanna. Como alternativa a advogada sugere usar a tecnologia de uma forma mais inteligente.
“O ideal é que a vítima foque na sua narrativa, na própria história que viveu. Não usar o nome, usar um aplicativo que modifique a voz. É preciso usar todos os recursos para não dar munição ao agressor”.
*foi usado nome fictício a pedido da tiktoker