“Em uma entrevista de emprego, eles me pediram que levasse uma declaração por escrito do meu marido, para comprovar que eu tinha a permissão dele para trabalhar.”
Neda tem grau de mestrado em engenharia de petróleo e gás no Irã. Ao ouvir aquilo, ela conta que se sentiu humilhada.
“Respondi que sou adulta e tomo minhas próprias decisões.”
Sua experiência não é um caso isolado. Legalmente, as mulheres casadas no Irã precisam da autorização dos seus maridos para trabalhar. E esta é apenas uma das muitas barreiras legais que elas enfrentam quando querem entrar no mercado de trabalho.
As mulheres representam mais de 50% das pessoas com formação universitária do país, mas elas compõem apenas 12% do mercado de trabalho, segundo dados de 2023.
As leis de gênero, o assédio sexual generalizado e as frequentes visões sexistas sobre as mulheres e suas habilidades tornam o ambiente de trabalho muito hostil para as mulheres.
A maior parte das mulheres declararam que não se sentem levadas suficientemente a sério no trabalho.
“Diversas barreiras legais e culturais mantêm as mulheres fora do mercado de trabalho no Irã”, segundo a ex-consultora do Banco Mundial, Nadereh Chamlou.
Ela afirma que fatores como a falta de bases jurídicas e as limitações legais em vigor, além de uma enorme disparidade salarial de gênero e “um teto de vidro muito baixo”, contribuem para a limitada participação das mulheres no mercado de trabalho iraniano.
É legal… e cultural
Os homens sabem que, legalmente, podem impedir suas esposas de trabalhar – e alguns fazem uso deste privilégio legal.
O empresário iraniano Saeed contou que, certa vez, “um marido furioso irrompeu no nosso escritório, empunhando uma vara de metal no ar e gritando, ‘quem deu permissão para você contratar minha esposa?'”.
Ele conta que, agora, sempre pede a autorização do marido por escrito, antes de contratar uma mulher.
Razieh é um jovem profissional que trabalha em uma empresa privada. Ele relembra um incidente parecido, quando um homem furioso invadiu seu escritório e disse ao CEO (diretor-executivo): “Não quero a minha esposa trabalhando aqui.”
A mulher era uma contadora sênior. O CEO precisou dizer a ela “vá para casa e tente resolver as coisas com o seu marido”, segundo Razieh. “Caso contrário, a mulher precisaria se demitir, o que ela acabou fazendo.”
Esta legislação também faz com que muitas empresas se recusem a contratar mulheres jovens, segundo a consultora Chamlou. Ela afirma que os empregadores não querem “investir em treinar essas mulheres se, quando elas se casarem, seus maridos podem retirá-las do trabalho”.
E, mesmo se elas forem contratadas, muitas vezes depois de lutar contra suas próprias famílias e cônjuges para conseguir permissão para trabalhar, as mulheres irão enfrentar um mercado de trabalho em que a discriminação, até certo ponto, é legalizada.
Raz tem quase 30 anos de idade. Ela já teve vários empregos e conta que, em todos eles, os empregos das mulheres eram os primeiros a serem sacrificados.
“No último lugar em que trabalhei, quando havia uma reestruturação, quase todos os funcionários demitidos eram mulheres”, afirma ela.
Outra mulher, que pede para não ser identificada, contou à BBC que decidiu deixar o emprego depois de mais de uma década e ficar em casa “porque eu sabia que nunca conseguiria uma promoção”.
“Enquanto houvesse homens disponíveis, mesmo se fossem menos qualificados, eu nunca seria considerada para um aumento de salário ou promoção”, ela conta. “Era perda de tempo.”
O fato de que as mulheres, legalmente, não são consideradas provedoras do lar também prejudica sua qualificação para bônus e benefícios.
Em muitos casos, se elas tiverem direito, “os benefícios que elas acumulam ao longo dos seus anos de trabalho podem não se aplicar às suas famílias, como a sua pensão”, afirma Chamlou. “Com isso, eles reduzem os ganhos que as mulheres recebem pelo seu trabalho para levar para suas famílias.”
Sepideh tem mestrado em artes pela Universidade de Teerã, a capital iraniana. Ela costumava lecionar ali e realizar projetos de arte independentes, mas não trabalha há alguns anos.
“Depois da formatura, eu pensei que poderia simplesmente ganhar a vida, como muitos dos homens que conheci”, conta ela, “mas a estrutura social, política e econômica é projetada de tal forma que manter uma carreira adequada, para as mulheres, é um sonho inatingível.”
A lei sobre o uso obrigatório do hijab esteve no centro dos protestos generalizados no Irã dois anos atrás e continua a ser um dos principais temas de discórdia e dissidência política no país. A lei também determina que muitos empregos, particularmente no governo e no setor público, são inacessíveis para as mulheres que não se conformam com algumas das formas mais rigorosas de hijab.
A ‘intermediária faltante’
“No Irã, existe também o que chamo de ‘intermediária faltante'”, conta Nadereh Chamlou. São “mulheres de meia idade, de classe média, com educação intermediária, até o ensino médio, que não estão trabalhando”.
“A permissão legal dos maridos para trabalhar, além da idade de aposentadoria mais baixa para as mulheres no Irã, que é de 55 anos, afasta uma faixa de idade que, em outros países, normalmente está no mercado de trabalho”, explica ela.
A economia iraniana está paralisada pelas sanções e pela má gestão.
Um relatório do FMI indica que o crescimento econômico está correlacionado à maior participação das mulheres no mercado de trabalho. O organismo estima que, se os índices de emprego feminino no Irã se equiparassem ao nível dos homens, o produto interno bruto (PIB) do país poderia aumentar em cerca de 40%.
Para Nadereh Chamlou, no momento, não existe “vontade política ativa ou consciente” que possibilite mudanças para trazer as mulheres para o mercado de trabalho no Irã. Mas ela acredita que as mulheres iranianas estão assumindo esta questão com as próprias mãos, criando pequenas empresas independentes para abrir o mercado de trabalho para elas.
“Algumas das ideias de negócios mais inovadoras, desde aplicativos de cozinha até plataformas digitais de varejo, foram criadas por mulheres”, explica ela. Chamlou observa que há um “verdadeiro setor privado no Irã”, composto principalmente por empresas de propriedade de mulheres.