Especialistas em saúde reprodutiva são unânimes ao recomendar que o primeiro passo antes de uma gestação é fazer uma consulta ginecológica para investigação sobre o estado geral de saúde da mulher
Quando o assunto é maternidade, os palpites surgem de todos os lados. São comuns conselhos sobre amamentação, pitacos sobre alimentação materna e até mesmo sobre a quantidade de filhos ideal para um casal.
Do ponto de vista médico, especialistas em saúde reprodutiva são unânimes ao recomendar que o primeiro passo antes de uma gestação é fazer uma consulta ginecológica para investigação sobre o estado geral de saúde da mulher.
Veja abaixo alguns dos mitos mais comuns sobre o tema.
Uma vez cesariana, sempre cesariana?
As taxas de parto por cesariana aumentam em todo o mundo, incluindo no Brasil, um dos países com a maior incidência. Estudos científicos apontam que bebês nascidos de cesarianas apresentam risco aumentado de dificuldades respiratórias e tendem a ser internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) neonatal com mais frequência.
De acordo com o Ministério da Saúde, o procedimento realizado sem indicação clínica aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte materna. Estimativas apontam que cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados à prematuridade.
Um dos mitos comuns da obstetrícia é de que se a mulher faz o primeiro parto via cesariana, todos os nascimentos seguintes deverão ser na mesma modalidade. No entanto, a medicina baseada em evidências destaca que a fala é um mito e que, na maioria dos cenários, um parto normal, depois de uma cesariana, não só é possível, como deve ser encorajado.
“Embora uma cesariana possa afetar a capacidade de uma mulher de ter um parto normal no futuro, considerando que as possibilidades de indução de parto ficam mais escassas numa gestação depois de uma cesariana, já que a técnica cirúrgica utilizada anteriormente também pode interferir, a maioria das mulheres podem ter partos normais sim”, explica a médica obstetra e ginecologista, Larissa Flosi, que atua na Theia, clínica de saúde que combina atendimentos virtuais e presenciais.
O ministério considera que a redução de partos via cesariana desnecessários passa pela ampliação na qualidade na atenção obstétrica.
Segundo as diretrizes do ministério, o parto por cesariana é recomendado em contextos específicos, como na prevenção da transmissão do HIV da mãe para o filho, em mulheres que tenham apresentado infecção pelo vírus Herpes simples durante o terceiro trimestre da gestação e para aquelas com três ou mais operações cesarianas prévias.
As orientações também destacam que a cesariana não é indicada como forma rotineira de nascimento de bebês para mulheres obesas ou como forma de prevenção da transmissão vertical em gestantes com infecção por vírus da hepatite B e C.
“É importante que as mulheres discutam suas opções de parto com seus médicos e tomem uma decisão informada com base em sua situação individual. Existem várias vantagens em ter um parto normal em relação à cesariana, especialmente em gestações subsequentes, incluindo recuperação mais rápida, menor risco de infecções e de complicações, maior possibilidade de amamentação e satisfação materna”, afirma Larissa.
É mito que chances de engravidar no puerpério seja zero
O puerpério é definido como o período que ocorre logo após o parto, também denominado de pós-parto. Nesta fase, o corpo da mulher se recuperação da gravidez, passando por um conjunto de modificações físicas e psicológicas. Estima-se que o tempo médio do puerpério é de 6 semanas, começando imediatamente após o nascimento da criança.
Um mito comum sobre essa fase é que a mulher não poderia engravidar neste período. “Essa afirmação é falsa e pode representar até um risco em certos contextos”, afirma Larissa.
A empresária Rosana Tavares Pierro Velasques, de 44 anos, de São Paulo, é mãe de três filhos: Sophia, nascida em 2013, Isabella, em 2018, e Enrico, que chegou ao mundo em 2019. Nas duas últimas gestações, o intervalo foi de apenas seis meses.
À CNN, Rosana conta a experiência de engravidar logo após o período do puerpério.
“A Isabella nasceu em 23 de maio de 2018. No início de dezembro de 2018, tiramos férias e fomos para Bariloche passar uns dias. A Isabella tinha seis meses, estava amamentando, ainda não havia menstruado depois do parto. Quando voltei dessa viagem, fomos em quatro e voltei em cinco (risos). Eu estava grávida, engravidei do meu terceiro filho ainda amamentando. Descobri isso no réveillon de 2018 para 2019”, relata.
A empresária conta que a grande preocupação naquele momento era sobre a continuidade da amamentação da filha pequena. “A Isabella por conta própria soltou da mamada e assim foi. Eu grávida com um bebê de seis meses fiquei sem saber o que fazer. Mas se Deus me mandou é outro presente na minha vida e na vida do meu esposo. O Enrico nasceu prematuro no dia 5 de julho de 2019. Estava entrando no sétimo mês, ele nasceu de 30 semanas”, afirma Rosana.
O parto aconteceu de maneira inusitada, segundo Rosana. “Foi uma loucura o parto do Enrico, ele nasceu no corredor do hospital. Em um parto natural pélvico, quando o bebê não está virado e nasce sentado ou pelos pés – o Enrico nasceu pelos pés, no corredor do hospital, sem anestesia, sem nada. Entrei às 2h59 da manhã no hospital e ele nasceu 3h03. Foi um parto muito difícil pra mim e quem me salvou foram os médicos.”
Ela afirma que o parto prematuro não teve relação com a gravidez logo após o puerpério, mas ao próprio histórico de outros partos prematuros.
Especialistas afirmam que embora a amamentação possa ter um efeito contraceptivo em algumas mulheres, ela não garante uma proteção completa contra a gravidez.
“É possível que uma mulher engravide durante o puerpério, mesmo que esteja amamentando. Além disso, o momento em que a ovulação volta a ocorrer pode variar bastante entre as mulheres, então não é possível determinar com certeza quando é seguro ter relações sexuais sem usar outro método contraceptivo”, explica.
A ausência da menstruação no período da lactação é um fenômeno comum durante o período. Durante a amamentação, o hormônio responsável pela produção de leite, chamado prolactina, inibe a produção de outros hormônios, como o estrogênio e a progesterona, que são necessários para o ciclo menstrual. As alterações hormonais podem levar à suspensão temporária da menstruação em algumas mulheres, o que é conhecido como amenorreia da lactação.
“A duração da amenorreia da lactação varia de mulher para mulher e pode depender de vários fatores, como a frequência e a duração da amamentação, a idade da mãe e a resposta individual dos hormônios da mulher. A amamentação exclusiva e frequente pode prolongar a amenorreia da lactação, enquanto a introdução de alimentos sólidos ou a diminuição da amamentação podem levar ao retorno da menstruação”, afirma a médica.
A amenorreia da lactação pode ser uma forma eficaz de contracepção para algumas mulheres, mas não é um método contraceptivo confiável para todas as mulheres, segundo a especialista. “É importante lembrar que a ovulação pode ocorrer mesmo na ausência de menstruação, o que significa que a amamentação exclusiva não deve ser considerada um método contraceptivo confiável para todas as mulheres.”
Complicações com o cordão umbilical
Crenças populares afirmam que bebês que nascem com o cordão umbilical enrolado no pescoço teriam dificuldades de respirar, com riscos de sofrimento em parto normal.
“Durante a gestação, o feto não respira como os bebês após o nascimento. Isso porque a traqueia, que é o tubo que conduz o ar para os pulmões, ainda não está funcionando. Na verdade, os pulmões do feto estão cheios de líquido amniótico e as trocas gasosas ocorrem principalmente por meio da placenta”, afirma Larissa.
Segundo a médica, o feto recebe oxigênio e nutrientes da mãe pela placenta e do cordão umbilical, e o oxigênio é transportado por meio do sangue e da circulação fetal, que inclui a artéria umbilical e as veias umbilicais.
“Após o nascimento e o corte do cordão umbilical, o recém-nascido começa a respirar pela traqueia e os pulmões se expandem, permitindo que o ar entre e saia dos pulmões”, explica a especialista.
Os profissionais de saúde podem monitorar cuidadosamente o bebê e os sinais de vitalidade fetal durante o trabalho de parto para determinar se um parto vaginal é seguro ou se uma cesariana é necessária.
“Portanto, a decisão sobre o tipo de parto dependerá das circunstâncias individuais de cada caso e do julgamento dos profissionais, levando sempre em conta o desejo de cada gestante”, detalha Larissa.
É mito que exista “leite fraco”
O leite materno passa por transformações, com o objetivo de se adaptar de acordo com as necessidades da criança. Com as diferenças de textura e cor, se tornou comum o mito da suposta existência de “leite fraco”. O Ministério da Saúde considera três fases diferentes do leite materno: colostro, de transição e maduro.
Durante os primeiros cinco dias de vida da criança, o corpo da mulher produz o colostro. Com aparência transparente ou amarelada, o primeiro leite contém proteínas e anticorpos, sendo fundamental para a proteção do bebê.
Entre o 6º e o 15º dia após o nascimento do bebê, o corpo da mulher passa a produzir um leite mais denso e volumoso, chamado leite de transição, que é rico em gorduras e carboidratos.
O leite já maduro começa a ser produzido por volta do 25º dia e possui uma aparência consistente e esbranquiçada. A composição conta com proteínas, gorduras, carboidratos e outros nutrientes.
De acordo com o ministério, não existe o chamado “leite fraco”. O tipo e a quantidade de leite materno produzido pelo corpo da mulher são ideais e adequados para cada fase de vida do bebê.
Produção do leite
Outro mito sobre o leite materno que persiste no imaginário popular é de que se a mama está fabricando pouco leite é porque a mãe não tem condições de produzir mais.
“A quantidade de leite que uma mãe é capaz de produzir é determinada pela demanda do bebê e pela eficiência da sucção. A capacidade média de produção de leite materno de uma mulher, após a apojadura [conhecida popularmente como ‘descida do leite’] pode variar, mas geralmente está na faixa de 750 a 1000 ml por dia”, explica Larissa.
O volume pode ser influenciado por vários fatores, incluindo a demanda do bebê, a eficiência da sucção, a nutrição materna e a saúde geral. Estudos indicam que as mães podem produzir entre 600 e 1.200 ml de leite por dia.
“No entanto, é importante ressaltar que a quantidade de leite produzida não é o único fator importante para a amamentação bem-sucedida, e que a qualidade do leite, a pega correta do bebê, o tempo e a frequência das mamadas também são importantes”, explica a médica.
A produção de leite é estimulada pela sucção do bebê na mama, que ativa as terminações nervosas na aréola. Essa sucção envia um sinal ao hipotálamo, uma região do cérebro, que libera o hormônio prolactina na corrente sanguínea. A prolactina, por sua vez, estimula as células secretoras do leite, chamadas de células alveolares, a produzir e secretar leite.
Além da prolactina, outro hormônio importante para a produção de leite é a ocitocina. A ocitocina é liberada quando o bebê suga a mama, o que provoca a contração das células musculares ao redor dos alvéolos, permitindo que o leite seja expelido pelos ductos lactíferos.
“A sucção do bebê é, portanto, fundamental para a produção de leite, pois quanto mais o bebê suga a mama, mais prolactina e ocitocina são liberados, aumentando a produção e a ejeção do leite. Uma má pega, ou uma sucção inadequada, pode dificultar a produção de leite, mesmo que a mãe esteja produzindo hormônios em quantidades adequadas”, afirma.
A saúde materna também pode afetar a produção de leite. Uma boa nutrição, hidratação adequada e descanso são fundamentais para a produção de leite. Problemas de saúde, como infecções, podem interferir na produção de leite e precisam ser tratados adequadamente.
“Além disso, o estresse emocional também pode afetar a produção de leite, já que pode inibir a liberação de prolactina. A avaliação contínua e multidisciplinar é imprescindível para que as dúvidas sejam sanadas e para que os parâmetros subjetivos de sucesso da amamentação sejam reforçados”, diz a especialista.
É mito que a criança deva ser alimentada em horários fixos
A orientação do Ministério da Saúde é a amamentação de livre demanda, ou seja: o bebê deve mamar sempre que desejar. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) também afirma que não é preciso estabelecer um horário fixo.
“Recomenda-se que a criança seja amamentada sem restrições de horários e de duração da mamada. É o que se chama de amamentação em livre demanda. Nos primeiros meses, é normal que a criança mame com maior frequência e sem horários regulares. É ela quem determina a frequência e a duração das mamadas. Ela aprende a reconhecer seus sinais de fome e saciedade e isto pode estar relacionado a menores taxas de obesidade na idade adulta”, diz a SBP.