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Mais que sangue-frio, socorrer pessoas que querem morrer exige humanidade

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Bombeiros e PM explicam como é o atendimento de pessoas que tentam cometer suicídio na Capital

 

Além das estatísticas trágicas de suicídio registradas em Campo Grande, quem convive com a situação diariamente e luta para que pessoas enxerguem uma saída em meio a um ato de desespero emocional, mostra que para evitar que os números continuem a subir é preciso mais que sangue frio para lidar com as ocorrências. Acima de tudo, precisa de humanidade.

Pesquisa divulgada em setembro de 2023 revelou que Mato Grosso do Sul era o 4º estado no Brasil com maior taxa suicídio, com 10,3 casos a cada 100 mil habitantes. MS fica atrás apenas de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Piauí. Outro boletim, no mesmo período, o “Suicídio em adolescentes no Brasil, 2016 a 2021” mostra MS em 2º lugar no ranking nacional, com 10,71 casos a cada 100 mil habitantes, ficando atrás apenas de Roraima, conforme estudos divulgados pelo Ministério da Saúde.

Em conversa com especialistas em lidar com tentativa de suicídio do Corpo de Bombeiros e do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) eles mostram como é feito a abordagem dessas pessoas, e qual o risco de civis interferirem negativamente nas negociações. O assunto voltou a tona após morte de uma mulher de 37 anos, nesta terça-feira (23).

Há 20 anos na corporação e há 2 como especialista no assunto, o segundo-tenente Max Sousa Tosta, explica que atua como interventor, ou seja, que conversa com a pessoa no ato em que ela atenta contra a própria vida. À reportagem ele comenta que o suicídio é multifatorial, ou seja, não pode ser atribuído a um único fator.

“Pode ser oriundo de alguma psicopatologia, problema financeiro, familiar. Então às vezes a vítima não fala, a gente chega para quebrar essa barreira e conseguir essa comunicação. Temos uma abordagem diferente. Falamos ‘Sou do Corpo de Bombeiros estou aqui para te ouvir. Quero entender o que está acontecendo com você’”.

Ele acrescenta que o bombeiro não vai atuar como psicólogo, apontando a solução para o problema, mas vai estimular que a vítima perceba que a dor pode melhorar e enxergar outras perspectivas. “O bombeiro que aponta a solução, ‘vamos pensar em soluções possíveis’, estimula a própria pessoa a encontrar uma saída”, disse.

Ao todo, a equipe recebe de 3 a 4 chamados por dia. São 80 especialistas, entre negociadores, interventores e abordadores técnicos. Desse percentual 78 são homens e duas mulheres. Conforme o tenente, a maioria dos casos envolve depressão, uso de substâncias químicas, álcool e transtornos de humor.

Max atua como interventor e conversa com pessoas para evitar que atentem contra própria vida  (Foto: Natália Olliver)

Sentimento – Sobre a pressão em ter sucesso nas ações e o sentimento de “fracasso” diante de casos em que a vítima consumou o suicídio, ele e o colega, sargento Michel Barbosa, também interventor, dizem que os militares precisam de preparação psicológica para lidar com as ocorrências.

“Já presenciamos mortes. Se teve a ocorrência e o bombeiro não teve sucesso, ele precisa conversar. Porque não é culpa dele. Não está na seara dele, mas fica aquele sentimento. São ocorrências que envolvem muito o emocional. O bombeiro vai agir na fase final, com todo um contexto anterior para gente chegar nesse ponto. A gente atende e se eu for em três, qual sobrecarga emocional que eu fico?!”.

A falta de informações é assunto levantado pelos militares mais de uma vez ao longo da entrevista. Segundo eles, quando há mais informações prévias, o nível de ansiedade é menor.

“Nos ajuda muito para eu não “sofrer”, para nos preparar para a ação. Com o tempo e o preparo a gente consegue diminuir os impactos, mas existe um sofrimento, não posso dizer que vamos totalmente a sangue frio. Ele [bombeiro] tem que ter consciência se está preparado ou não. Falar pros colegas “hoje não tá bem, você vai”. É preciso ter controle emocional pra isso”.

Apesar da ajuda à população em situações de risco e crises emocionais, o próprio Corpo de Bombeiros não dispõe de um profissional no quadro efetivo para ajudar os combatentes. Segundo Max, os militares contam com assistência oferecida pelo plano de saúde.

 

Prejuízos à ações –  Na ânsia de ajudar, pessoas, sem treinamento específico, acabam abordando as vítimas em um momento de grande fragilidade emocional. O ato, embora, inconsciente e livre de maldade, pode acabar prejudicando o trabalho dos especialistas.

“A gente orienta sempre chamar o 190 ou 193 e passar a maior quantidade de informações e características do lugar, como roupa, se está portando uma arma ou faca; se conhece ou não a pessoa, se faz uso de remédio. Se ela for se aproximar tem que ter isso muito claro, que pode prejudicar e se machucar também”.

De acordo com Max, outro fator que pode atrapalhar o trabalho, e, inclusive piorar a situação, são pessoas que gravam a cena e compartilham nas redes sociais.

“É muito doloroso pra uma pessoa depois ver o vídeo dela naquele momento de tanta dor. Não ajuda isso”.

Michel acrescenta que já chegou a ouvir pessoas incitando as vítimas a cometerem o suicídio para liberar as vias rapidamente. “A vida é corrida, é tudo muito frio”.

 

Bope – Roberson Sousa, tenente e chefe da equipe de negociação do Bope, conta que em 2023 o batalhão recebeu 22 chamados, 15 foram de tentativas de suicídio. O índice é referente a pessoas que estavam com algum tipo de arma. Ele explica que quando há o uso de objetos perigosos ou cortantes é o Bope que atende às ocorrências, ou presta assistência ao Corpo de Bombeiros, caso a equipe tenha chegado primeiro ao local.

Roberson Sousa, tenente e chefe da equipe de negociação do Bope (Foto: Nataália Olliver)

Sobre os riscos de civis atrapalharem as operações, o tenente enfatiza que o isolamento é feito justamente para evitar transtornos. “Evitar a interferências externas que possam prejudicar e aí desde a questão de pessoas falando coisas no exterior como, às vezes, as pessoas tentando ter contato com aquela pessoa. Muitas até na boa vontade, tentando ajudar, fala alguma coisa que pode desencadear também ser um gatilho”.

O chefe da equipe também explica que existem três tipos de suicidas: ambivalente, impulsivo e rígido. O primeiro é o que está mais aberto ao diálogo e vai apresentar momentos em que deseja viver e outras em que deseja morrer. O segundo é aquele que tem impulsos de cometer o ato. Já o último é aquele que, segundo Roberson, só enxerga o auto extermínio como a solução para o problema.

Ele preferiu não dizer quais as abordagens utilizadas pelo Bope para não comprometer as ações. “A gente massifica muito a questão de que nós estamos lá para salvar vidas. Mas pode ocorrer da pessoa fazer a escolha dela e está fora do nosso alcance. Então é uma coisa que é não é desejável, mas pode acontecer. Nós sabemos disso. E aí inclusive nós temos aí várias medidas, por exemplo, o serviço de acompanhamento psicossocial da PM. Por exemplo, ela fornece para casos de ocorrência com algum potencial de violência que o policial enfrenta”.

A assessora psicológica da equipe de negociação, Daffne Araújo do Amaral, destacou a importância de um profissional dentro dos batalhões. ”Ela produz conhecimento ministrando instruções para equipe, para questões relacionadas a transtornos mentais e conhecimento, sobre a questão do momento de crise. A gente percebe os policiais, como que eles estão em questão, como está sendo a relação com o causador do evento crítico”.

Equipes de emergência realizaram manobras de ressuscitação em ambulância. (Foto: Osmar Daniel)
Após as operações é feito um momento pós crise para averiguar como está o psicológico dos agentes envolvidos. “A gente vê como foi para ele essa crise, como ele reagiu também, Então eu vejo essa importância de porque envolve muita questão psicológica. É um campo muito grande.

Sobre a “insensibilidade” de pessoas incitando o suicídio, a psicologa afirma que muitas vezes elas, e os próprios familiares, não acreditam que a vítima de fato vá consumar o ato. “Às vezes as pessoas acham que a pessoa não vai cometer aquilo. Muitas vezes duvidam daquele momento,  não sabem também o que a pessoa está passando. Talvez falte essa sensibilidade também”.

 

Estatísticas –  Em 2023 Campo Grande registrou 41 casos de suicídios. A cidade ainda continua no ranking das com maior percentual de tentativas do Brasil. Na última terça-feira (24), uma mulher de 37 anos, morreu depois de cair do viaduto da Avenida Afonso Pena sobre a Rua Ceará, situado no Bairro Santa Fé.

Ela foi socorrida inconsciente e levada para a Santa Casa de Campo Grande, mas não resistiu aos ferimentos.

 

Ajuda – Na Capital, o Grupo Amor Vida (GAV) presta um serviço gratuito de apoio emocional a pessoas em crise através do telefone 0800 750 5554. Ligue sempre que precisar! O horário de funcionamento é das 7h às 23h, inclusive, sábados, domingos e feriados.

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