É assim que a sociedade pensa. É essa visão que precisamos enfrentar
Não tenho orgulho nenhum, mas assumo: já fui uma mulher que julgou a colega de trabalho mãe por faltar, se atrasar ou sair mais cedo em função dos filhos. Poderia esconder esses pensamentos de outra época, mas acho importante frisá-los por ver o quanto eles são presentes no mercado de trabalho. Estive do lado de lá. O lado que julga e questiona uma mulher por ela ter que se dividir entre a maternidade e a carreira. Foi quando me tornei mãe que descobri: ninguém quer que as mães trabalhem. E esse pensamento acaba se alojando dentro de todos nós.
Minha descoberta foi na pele. Eu era funcionária de uma indústria quando engravidei. Um lugar onde mais de 80% da mão de obra era feminina. Mas isso não significava nada quando o assunto era respeito às profissionais. Ao chegar no primeiro dia de trabalho após a licença – temendo o desmame precoce, a adaptação, o sofrimento da bebê, o leite vazando do seio – fui demitida. A alegação foi “a crise”, embora no meu cargo já houvesse alguém sem filhos. Depois, descobri que nenhuma mãe continuava no trabalho depois da licença. “Política da empresa.”
Foi neste momento que o meu projeto paralelo, meu lado B, virou a minha empresa. Em pouco tempo eu estava tocando um portal para divulgar eventos e serviços em São Paulo onde era possível ir com as crianças sem maiores problemas. Entrei para as estatísticas de mães que empreendem após enfrentar a intolerância do mercado, e neste momento tomou corpo o Guia Fora da Casinha. Onde (infelizmente) percebi que os tapas na cara não vêm só dos empregadores. O mercado não é o único sistema difícil de as mães penetrarem com igualdade.
Além de não querer que as mães trabalhem, posso afirmar: a sociedade também não gosta que mães saiam de casa. Diariamente ouço histórias a respeito de lugares ou eventos que se negam a ver a importância de receber bem as crianças. Tem gente que até acha graça quando você cobra por fraldário (ou quiçá um local neutro onde os pais também possam trocar o bebê). Há quem desrespeite a fila preferencial quando estamos falando de pessoas com bebês de colo. Isso sem falar em amamentar, que ainda é um tabu em muitos lugares.
É claro que hoje já vemos muita desconstrução, muita transformação e bons exemplos de empatia, mas… Torcer o nariz ou destilar algum tipo de opinião maldosa ao ver uma mãe com criança frequentando locais de lazer ainda é uma cultura socialmente aceita. E na outra mão vemos os julgamentos que apontam para uma mãe que sai sem os filhos. Parece um impasse, mas é só o mundo dizendo que mães não devem sair de casa mesmo.
Não é à toa que me sinto teimando. Como se diariamente fizesse um manifesto. Isso porque eu insisto, encorajo e divido informação de onde ir para que pais e mães ponham a cara na rua e mostrem para quem (ainda) precisar ver que as crianças devem ser aceitas e tratadas como cidadãs, assim como suas mães. Eu cobro acessibilidade, divulgo e promovo quem já está vivendo esta nova era.
Hoje são três anos de Fora da Casinha e tenho clareza de que se a cidade percebesse a infância como prioridade teríamos uma mudança gigante na ideia de futuro que queremos pra nós. Da saúde à educação, do metrô ao trânsito, da vizinhança ao mercado de trabalho. Entender que o filho da colega é também sua responsabilidade. E isso não muda apenas você. Muda o mundo.
Luísa Alves é relações-públicas, mãe da Aurora e da Sol e empreendedora digital no site Guia Fora da Casinha, plataforma que divulga eventos, locais e conteúdos sobre cultura e lazer para famílias com crianças em São Paulo.