Se nossas mães e avós se calaram e não nos prepararam para o climatério, agora que a expectativa de vida está em torno de 80 anos e estamos a mil entre os 40 e os 50, chegou a hora de reescrever essa narrativa. A menopausa é um movimento, prepare-se e seja bem-vinda!
Imagine um equilibrista tentando manter uma dezena de pratinhos rodopiando no ar. Visualizou? É a imagem mais próxima de uma mulher entre os 40 e 50 anos. Há quem tenha filhos ainda pequenos, o que inclui festinhas de aniversário, acompanhamento escolar e atividades extracurriculares. Se são adolescentes, o embate sobre limites se soma às questões acadêmicas. Também cresce o grupo que está na dúvida se resta tempo para embarcar na experiência da maternidade – usando seu próprio útero, um alheio ou através de adoção. E há quem tenha se tornado avó, do tipo que não só dá expediente como babá, como abre a carteira para ajudar na criação dos netos.
Casamentos estão começando, outros singram mares tormentosos de crise, com todas as DRs a que têm direito. De volta à pista, as que estão livres formam uma babel de desejos: de sexo (de boa qualidade) sem compromisso a novas juras de amor com alguém que será a próxima alma gêmea. Profissionalmente, a inexperiência dos primeiros anos deu lugar a um repertório parrudo e mais confiança. Essa é a boa notícia, acompanhada de uma penca de desafios: consolidar a carreira, buscar promoções e garantir um pé de meia para o futuro.
Imagine administrar tudo isso e, no meio de uma reunião, ficar encharcada de suor por causa de uma onda de calor que não apenas traz desconforto intenso, mas pode arruinar sua apresentação e autoestima? Cooorta! O que está acontecendo??? Hora de fazer as devidas apresentações, encarando de frente a “acompanhante” que nos escoltará por décadas. O diagnóstico da menopausa se dá quando a mulher passa 12 meses sem menstruar, o que ocorre geralmente entre os 45 e 55 anos. No entanto, é na perimenopausa, uma janela que pode durar de quatro a dez anos antes do último ciclo, que sintomas como fogachos, oscilações de humor e falta de libido surgem – sim, quando estamos a mil!
Gerações que nos precederam sofreram caladas com achaques que afetaram a qualidade de suas vidas. Embora tivessem a preocupação de conversar com suas filhas sobre menstruação e gravidez, nossas mães e avós cobriram a menopausa com um manto de silêncio. Fazia sentido em 1960, quando a expectativa de vida de uma brasileira, hoje em torno de 80 anos, era de 55 anos – e deixar de menstruar quase se confundia com o limite da existência. Nos consultórios, com frequência o atendimento ainda costuma focar no controle de sintomas quando, na verdade, precisamos de uma bússola para navegar por esse oceano desconhecido.
Em 2025, haverá cerca de um bilhão de seres no planeta entre a perimenopausa e a pós-menopausa
Ninguém deve se sentir só: em 2025, haverá cerca de um bilhão de seres no planeta entre a perimenopausa e a pós-menopausa. Lembra da montanha-russa de hormônios na adolescência? A diferença é que, depois dos 40, caminhamos para o ponto antípoda. A jornalista norte-americana Natalie Angier, autora de Woman: an intimate geography, escreve para o jornal “The New York Times” sobre biologia e conquistou o prestigioso Prêmio Pulitzer. O livro, lançado em 1999, foi revisto e atualizado em 2014 e é um primor de conteúdo e estilo sobre o corpo da mulher. Ela compara o estrogênio, o hormônio protetor feminino, ao chocolate, tal a avidez com que é consumido pelo organismo: nos vasos sanguíneos, nos ossos, no cérebro. Portanto, quando sua produção cai, entramos numa espécie de estado de privação.
A Sociedade Norte-Americana de Menopausa (NAMS em inglês) já publicou diversos estudos que identificam o climatério, que marca a transição da fase reprodutiva para a não reprodutiva, como um fator de risco para o desenvolvimento da síndrome metabólica, que engloba hipertensão arterial, excesso de gordura corporal em volta da cintura e níveis elevados de colesterol e de açúcar no sangue. Num quadro como esse, aumentam as chances de infarto e acidente vascular cerebral. Enquanto rodamos um monte de pratinhos, esquecemos de nós, por isso está na hora de uma freada de arrumação: ponha em prática o autocuidado!
Soa como o cúmulo da ironia: depois dos 40, quando temos mais experiência, quando conhecemos nosso corpo e nossas vontades, e quando provavelmente faremos o melhor sexo de nossas vidas, os hormônios começam a falhar e ameaçam o que conquistamos. O que vale é que temos um poderoso aliado: com suas oito mil terminações nervosas, o clitóris não sofre nenhum tipo de atrofia. É verdade que a sexualidade humana está longe de se resumir a uma questão física. Variáveis como a qualidade do relacionamento de um casal, estresse ou baixa autoestima também interferem no delicado equilíbrio do desejo, mas, na perimenopausa, outros elementos se somam na equação. Lidar com a diminuição da libido pode ganhar contornos dramáticos se a relação sexual se torna desconfortável, até dolorosa, por causa da falta de lubrificação vaginal. Por outro lado, há um arsenal a favor da causa feminina, que vai de hidrantes e lubrificantes à terapia hormonal da menopausa – sem esquecer que um estilo de vida mais saudável vai fazer muita diferença.
Temos que reescrever essa narrativa. Não estamos diante de um fecho, de um encerramento, e sim de um portal para ser transposto e degustado. Temos décadas pela frente para mostrar nosso talento no trabalho. Para nos deleitarmos com filhos, netos, amigos e amantes. Para traçar nosso longo caminho pelo mundo. A menopausa é um movimento, seja bem-vinda!
Mariza Tavares é jornalista, autora de “Menopausa: o momento de fazer as escolhas certas para o resto da sua vida”. Desde 2016, mantém o blog “Longevidade: modo de usar”, no g1. Também escreveu seis livros infantis, duas coletâneas de poemas e “Longevidade no cotidiano: a arte de envelhecer bem”