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Quem é o estilista indígena que usa casca da mandioca para tingir roupas e esteve no Brasil Eco Fashion Week

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Estilista do povo Piratapuya, Sioduhi apresentou a coleção no evento de moda com inspiração nas mulheres indígenas do Alto Rio Negro em roupas agênero e reforça a resistência no mercado da moda: ‘O Norte existe’

 

Diferente de ter o Norte como inspiração é ser um criativo do Norte e pensar a região como uma corresponsabilidade dentro do seu trabalho, diz o estilista Sioduhi. Originário do povo Piratapuya, do Alto Rio Negro, o estilista à frente da Sioduhi Studio participa da 7ª edição do Brasil Eco Fashion Week, que aconteceu na primeira semana de dezembro, em São Paulo, e trouxe essa bandeira — além da LGBTQIAP+ — para a coleção que apresenta no evento. A Eco Fashion trouxe uma programação em defesa da sustentabilidade no mercado e na indústria da moda brasileira.

Sioduhi é um estilista que olha para o lugar de que veio. Uma das técnicas aplicadas por ele para o tingimento dos tecidos, por exemplo, consiste no uso do resíduo da casca da mandioca disponível nas casas de farinhas. A mandioca é uma base alimentar de povos indígenas como o dele, que se localiza no Amazonas, conta. Desse recurso, pesquisado por ele desde 2021, surgiu o nome da tecnologia que ele também definiu, a “Maniocolor”. “Fui buscar meios que não exaurissem o meio ambiente, porque é importante ressaltar que nem tudo que é natural é sustentável; basta rever a história do pau-brasil, que era usado pela indústria da moda e que chegou próximo à extinção”.

“O processo com a casca de mandioca é extrair o corante dela, concentrar e aplicar no tecido. Depois dessa extração, ela volta de novo para a natureza como adubo, como sempre foi utilizado.”

Sioduhi, estilista indígena que participou desta edição da Brasil Eco Fashion Week — Foto: Divulgação

O desfile

Para o desfile no Brasil Eco Fashion Week, Sioduhi apostou na manualidade, na criação artesanal e na referência das mulheres indígenas, celebrando a ancestralidade das “Amõ Numiã”, “que representam o passado, presente e o futuro”. Essa é a quarta coleção que o estilista apresenta na carreira, com forte questionamento sobre a moda agênero.

“Minha marca surge com essa proposta, mas mesmo assim vejo que modelagem masculina sempre se sobrepõe no processo de criação. Para essa apresentação, portanto, rememoro essas primeiras mulheres que dominaram as flautas sagradas e fizeram uma gestão territorial matrilinear no Alto Rio Negro do meu povo”, explicou. “A coleção traz um resgate da história apagada dos indígenas e da comunidade LGBTQIA+ também, porque sou indígena e um homem gay, as duas são lutas da minha existência. Além disso, há a igualdade de gênero para dentro da marca, porque quem carrega o mundo da moda são as mulheres”.

Sioduhi, estilista indígena que participou desta edição da Brasil Eco Fashion Week — Foto: Divulgação

‘Brasil está de costas para o Norte’

O território, por sua vez, é outro ponto de atenção de Sioduhi. Não poderia ser diferente. Depois de um breve período morando em São Paulo, o estilista voltou ao Norte e percebeu que, diante de tantas questões e desafios vividos pela população da região, parece que o “Brasil está de costas” para tudo. “Temos muitos desafios em relação a nossos direitos como povos originários, somos ameaçados, temos a mineração avançando em vários lugares, crises climáticas pesadíssimas, uma inundação de boa parte do Rio Branco, as queimadas em Manaus. E em nenhum momento a gente viu isso nos noticiários, se passa em telejornais nos horários nobres, não dura mais do que três minutos”, avalia.

“Ver que essas dificuldades são ignoradas pela comunicação foi uma dor muito grande. Porque há uma bolha em São Paulo, parece que o Brasil é só ali e a gente se esquece que o norte existe. Sinto que o Brasil está de costas para a nossa região, e isso gera ignorância do que a gente precisa e desigualdade”.

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