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Operação escancara disputa violenta por domínio do jogo do bicho na Capital

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Missão era prender 10 suspeitos de integrar grupo que briga pelo controle da loteria ilegal a qualquer custo

 

Deflagrada nesta terça-feira (5) para prender 10 pessoas, Operação Successione, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado), escancarou a disputa violenta pelo domínio do jogo do bicho em Campo Grande. A “guerra” se instalou na Capital há ao menos 4 anos, conforme a investigação, depois da prisão de Jamil Name e do filho, Jamilzinho, que controlavam a loteria ilegal.

Successione, em italiano, “faz alusão à disputa pela sucessão do controle do ‘jogo do bicho’ em Campo Grande”, divulgou mais cedo o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), órgão do qual o Gaeco faz parte. Faz lembrar o batismo de outra operação: a Omertà, do termo em latim que se refere ao pacto de silêncio exigido pelo comando da máfia italiana.

Guincho retira quiosque do jogo do bicho, cena histórica em Campo Grande, em dezembro de 2019 (Foto: Marcos Maluf/Arquivo)

Que as apostas clandestinas nunca deixaram de ser coletadas e que alguém está lucrando com isso na Capital é fato. Em setembro de 2019, após a prisão dos Name, banquinhas do jogo do bicho foram lacradas e mais de 1 ano depois, retiradas das calçadas da cidade.

O esquema se reorganizou. Meses após a “recolha” das bases de apostas, jogo com o mesmo formato, mas com nome diferente – “MTS” – estava disponível em bancas de revistas e outros pontos da cidade. À época, falou-se em grupo vindo do Rio de Janeiro para tomar o “espaço” lucrativo deixado pelos Name, conforme reportado pelo Campo Grande News.

O MTS está nas ruas até hoje. Em outubro deste ano, após a apreensão de 700 máquinas destinadas à coleta de apostas do jogo do bicho, apreendidas numa casa do Bairro Monte Castelo, a reportagem foi a vários pontos da cidade – lanchonetes e comércios – onde jogadores poderiam “tentar a sorte”. Num destes locais, o canhoto impresso com os resultados leva a marca que “surgiu” na Capital em 2020.

Assaltos – Há três anos, as investigações derivadas da Omertà estimaram que o jogo do bicho rendia aos Name cerca de R$ 50 mil por dia – R$ 18 milhões por ano.  O negócio de milhões, portanto, atraiu mais grupos dispostos a dominar os pontos de apostas da Capital, também aponta o Gaeco.

O conflito se tornou mais violento, com direito a assaltos praticados à luz do dia, ameaças e “surras corretivas” nos motociclistas que trabalham recolhendo o dinheiro arrecadado nos pontos de apostas, apurou o Campo Grande News.

A reportagem teve acesso ao registro de uma das ocorrências, em que o motoentregador, que diz trabalhar também com “cobranças”, narra ter sido abordado por homens armados na saída de um mercado na Vila Margarida, onde havia acabado de recolher cerca de R$ 5 mil. O dinheiro teria sido levado como forma de “mandar recado” sobre a chegada de novos “donos do bicho” à Capital.

O trabalho investigativo do Gaeco, que contou com a colaboração do Garras [Delegacia Especializada em Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros], revelou a atuação de uma organização criminosa responsável por diversos roubos praticados mediante o emprego de arma de fogo e em concurso de agentes, em plena luz do dia e na presença de outras pessoas, em Campo Grande, no contexto de disputa pelo monopólio do jogo do bicho local”, também confirmou o MP em nota.

Pode piorar – A “guerra” pelo controle do jogo do bicho na Capital ultrapassou as divisas de Mato Grosso do Sul. Para argumentar pela negativa do pedido de transferência de Jamil Name Filho para presídio em Mato Grosso do Sul, o MPMS usou constatação do serviço de inteligência do sistema carcerário federal sobre o detento do Presídio de Mossoró.

Para o Ministério Público, a vinda de Jamilzinho poderia agravar a disputa. “Informações recentes de Inteligência indicam que pode haver uma desavença entre Jamil Name Filho e outros criminosos que teriam interesse em controlar negócios escusos nas regiões de atuação de seu pai Jamil Name, após sua morte”, diz o MP nas alegações, lembrando que “seu evidente poder aquisitivo e influência neste Estado” reforçam a necessidade de que o principal alvo da Omertà permanece no sistema penitenciário federal “em razão da acentuada possibilidade de restabelecer suas atividades criminosas” e de ele possuir “relevante potencial de desestabilizar o Sistema Penitenciário Estadual”.

Porta de entrada para a parte interna do Garras, onde ficam as celas e demais dependências (Foto: Idaicy Solano)

A operação – A Successione saiu às ruas de Campo Grande e Ponta Porã hoje para prender 10 pessoas e cumprir 13 mandados de busca e apreensão. A reportagem conseguiu confirmar sete prisões até o início da noite.

O Gaeco amanheceu na porta da casa do deputado estadual Roberto Razuk Filho, o Neno Razuk (PL). Na casa do parlamentar foram apreendidos dois celulares e uma pistola, que ele diz ter registro. Pelo menos dois assessores de Neno estão entre os presos: o policial militar aposentado Gilberto Luiz dos Santos, o “Major G. Santos”, e Diego de Souza Nunes.

Em outubro deste ano, o Major G. Santos e José Manoel Ribeiro, o “Manelão”, que também é da reserva remunerada da PM, foram encontrados com a “turma do baralho”, no imóvel do Monte Castelo, onde foram apreendidas 700 máquinas de apostas. Os militares chegaram a ser conduzidos para o Garras, mas foram liberados.

O filho de G. Santos, Júlio César dos Santos, está entre os presos. Em apoio ao Gaeco, o Garras esteve ainda na casa de homem identificado como Mateus Aquino Junior, que já era alvo de mandado de prisão temporária e foi flagrado com munições ilegais, além de talonários para a coleta de apostas do jogo do bicho e maquinhas de cartão. O sexto preso foi identificado apenas pelo primeiro nome: Valnir.

Foi apurado ainda que houve uma prisão em Ponta Porã e o alvo foi trazido pela Capital. Cinco presos passaram a noite em celas do Garras, onde receberam as visitas dos respectivos advogados ao longo do dia. Familiares também estiveram na delegacia para levar roupas e produtos de higiene.

Neno Razuk nega qualquer ligação “com o jogo do bicho em Campo Grande” e diz que “não tem nada a temer”. “Não sou criminoso”, disse em entrevista na Assembleia Legislativa nesta manhã.

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