Uma vez que Mato Grosso do Sul registrou 127 vítimas em oito meses de 2023, falar sobre suicídio com responsabilidade é uma necessidade para prevenir casos
O primeiro dia de setembro marca também uma importante data para o calendário brasileiro: o início da campanha Setembro Amarelo, que tem objetivo de sensibilizar e informar a população sobre o suicídio com a finalidade de prevenir os casos ao redor do país. Cada vez mais presente na discussão, o tema já foi por muito tempo um grande tabu na sociedade. No entanto, uma vez que Mato Grosso do Sul registrou 127 vítimas em oito meses de 2023, falar sobre suicídio com responsabilidade é uma necessidade cada vez mais latente para evitar casos futuros.
Conforme dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), até o último 31 de agosto, Mato Grosso do Sul teve 110 ocorrências de suicídio, o que resultou em 127 vítimas. Desse total, foram 29 suicídios em Campo Grande e 81 no interior. É importante destacar que, desde o início de 2023, o Estado já registra um número relativamente grande de casos. Foram 11 em janeiro, atingindo o pico em julho e agosto, com 15 casos cada mês. Entre fevereiro e junho, foram 40 suicídios, sendo o mês de junho com menos registros (3). Porém, é possível observar que houve uma progressão de casos desde o início do ano, situação que gera preocupação nas autoridades.
Com relação às vítimas, a maioria é de homens adultos. Assim, o suicídio fez 85 vítimas homens, 22 mulheres e 20 de sexo não informado em 2023. Das 127, 54 eram adultas, 33 jovens, 13 idosos e 7 adolescentes, enquanto os 20 restantes não tiveram a idade informada.
Dados sobre suicídio entre gêneros e idade (Madu Livramento)
2021 teve maior quantidade de vítimas
Se comparar uma série histórica nos últimos três anos, ou seja, de 2020 até agora, o ano de 2021 foi o que mais registrou ocorrências (235) e vítimas (241) de suicídio. O perfil de vítima segue o mesmo padrão: 185 homens, 47 mulheres e 9 sem sexo informado. As vítimas são, na maioria, adultos (106), seguidas de jovens (84), idosos (26), adolescentes (19) e não informado (5).
Em contrapartida, o ano de 2020 lidera como o que menos teve registro de casos – não sendo considerado 2023 pelo fato do ano ainda não ter sido encerrado.
No ano em que a pandemia começou, foram 172 ocorrências de suicídio que resultaram em 187 vítimas. A proporção entre homens e mulheres também tem muita diferença nesse ano, foram 145 vítimas homens e apenas 38 mulheres. Enquanto isso, o ano de 2022 registou 211 ocorrências e 223 vítimas por suicídio.
Diante dos números preocupantes, entidades e profissionais fortificam ainda mais as campanhas de conscientização durante o Setembro Amarela, especialmente para incentivar uma pessoa com tendência ao suicídio a se sentir à vontade para buscar ajuda. O GAV (Grupo de Amor Vida) é uma dessas instituições de Mato Grosso do Sul que promove o apoio emocional a todas as pessoas do país.
Suicídio precisa ser sensibilizado
Com sede em Campo Grande, o GAV (Grupo Amor Vida) é uma associação sem fins lucrativos fundada em 2001. Todo o trabalho é voltado na prestação de apoio emocional à pessoa com crise visando a prevenção do suicídio, Segundo Cinthia Moralles, diretora de comunicação da entidade, o suicídio é visto com muita preocupação, principalmente porque a procura pelos atendimentos estão crescendo.
“Por isso buscamos sensibilizar a causa com parcerias públicas bem como com a sociedade, parcerias profissionais… é necessário investimento e adesão maior à Saúde Mental. Temos recebido importantes gestos de apoio, mas ainda não basta, pois vemos que a tendência é aumentar [casos] a procura tem aumentado com as parcerias de divulgação”, explica ela ao Jornal Midiamax.
Dessa forma, o carro-chefe dos atendimentos oferecidos pelo GAV é o apoio emocional gratuito por telefone através do 0800 750 5554, com alcance emocional. O casal recebe, em média, 800 ligações de pessoas que buscam ajuda por mês, enquanto o email recebe uma média de 50 atendimentos mensais, podendo o número aumentar o diminuir dependendo das campanhas realizadas. Quanto mais divulgação, mais atendimentos são feitos e mais vidas podem ser salvas, por exemplo.
São 80 voluntários nos atendimentos telefônicos e 18 psicólogos voluntários para atendimentos online e presencial. A associação também oferece o Grupo de Apoio aos Enlutados por suicídio GAES com reuniões presenciai; atendimento psicológico específico; formação de novos voluntários e formação continuada; além da abordagem do tema com boas orientações nas redes sociais.
Questionada sobre os principais fatores que culminam no suicídio no Estado, Cinthia explica que são “depressão, ansiedade, transtornos mentais, isolamento, questões financeiras, quando a pessoa se vê mal nesta área com dívidas, luto, desilusões amorosas, entre outros”.
Nesse cenário, é importante que a pessoa que se identifique com esses sentimentos busque ajuda, tente se abrir com alguém e sempre fale sua dor. Além disso, o autoconhecimento e consultas com profissionais também são fundamentais para que o sofrimento não chegue ao estágio do suicídio.
“Buscar ajuda técnica de profissionais, como médico, psicólogo e terapias. Ligar para o GAV, engajar-se num trabalho de doação de si ao próximo, o cultivo da Espiritualidade e ter propósitos de vida” orienta.
Questões culturais podem influenciar
Como visto anteriormente, as principais vítimas de suicídio em Mato Grosso do Sul são homens adultos. No GAV, no entanto, a maioria das pessoas que buscam ajuda são, justamente, mulheres. Esse paralelo reforça o quanto o apoio emocional, seja pelas entidades voluntárias ou profissionais, é um fator preponderante para reduzir o índice de mortes.
Nesse sentido, Cinthia ressalta o quanto os fatores culturais estão intrínsecos no comportamento de ambos os sexos. Enquanto a mulher se sente mais à vontade de buscar apoio, o homem, por outro lado, normalmente não está.
“É uma questão cultural mesmo. O homem é criado para não demonstrar fraqueza, a gente ouve que homem não pode chorar, homem tem que ser forte. Então, eles têm mais dificuldades de se abrir, de falar sobre os sentimentos, de procurar ajuda, o que acaba acometendo em mais suicídios porque eles guardam a pressão para eles. As mulheres, não. As mulheres já conseguem falar e tem mais facilidade”, explica a diretora de comunicação do GAV.
Depois de adultos, outro público mais vitimado pelo suicídio, e que também é visto com atenção, é o público formado por jovens e adolescentes.
Suicídio é a 2ª causa maior causa de morte entre jovens
A faixa etária composta por jovens é a segunda que mais comete suicídios no Estado, não é à toa que o suicídio é a segunda maior causa de mortes de jovens entre 19 e 29 no mundo todo, principalmente ocasionada por uma depressão não tratada.
É o que explica a terapeuta e psicopedagoga Glaucia Benini. Segundo a especialista, os profissionais em saúde mental tem percebido maior índice de suicídio não só em Mato Grosso do Sul, mas em todo o mundo. Isso acontece principalmente porque os casos de depressão entre jovens e adolescentes dobraram na pandemia. Antes de 2020 eram cerca de 7% dos casos, mas o período pós-pandêmico observou aumento para mais de 14% em pessoas mais novas depressivas.
“O período de isolamento favoreceu muito os quadros depressivos pós-pandemia nos jovens e adolescentes por causa das incertezas que viveram quanto ao futuro, ao medo, às vezes o luto, crises financeiras que vieram desse período, até mesmo o corte das interações sociais diariamente que tinham na escola e com os amigos. Tudo isso favoreceu para que o público vivesse na pós-pandemia um processo depressivo”, elenca.
Como os pais podem ajudar
Nesse cenário em que os casos de suicídio são cada vez mais recorrentes entre jovens e adolescentes, o papel dos pais e responsáveis é fundamental para prevenir futuros casos. Isso porque são vários os motivos que causam a depressão, uma das principais causas de suicídio, como desordem na química cerebral por conta das alterações hormonais bruscas nessa fase, falta de diálogo em casa, problemas de autoestima e aceitação frequentes na adolescência, transtornos de personalidade, ansiedade não tratada.
“Tudo pode levar a uma depressão e desencadear ao suicídio”, afirma Benini. Assim, os pais devem ficar atentos a sinais que o filho dá que pode indicar um processo de sofrimento, como:
Os pais devem ficar atentos aos sinais como:
- Isolamento social – aquele jovem que não quer sair e só ficar no quarto;
- Mudança brusca de comportamento – falta de fome ou apetite em excesso, falta de sono ou sono em excesso, irritabilidade e agressividade, etc.;
- Baixa de notas e quedas no rendimento escolar;
- Aparência desleixada e falta de vontade de fazer as coisas.
Ao observar essas ou outras características que podem indicar uma depressão, a terapeuta explica que a educação deve ser voltada para um diálogo que envolva os sentimentos da criança, adolescente ou jovem.
“O pai deve incluir o filho no diálogo para que ele se sinta à vontade de falar o que está sentindo, para se expressar. Isso é muito importante: que os pais desde cedo busquem ter esse tempo de qualidade ao lado dos filhos e que os filhos tenham a segurança de saber que podem contar com os pais, conversar sem que possam ser punidos ou ouvir um sermão no lugar de receber o apoio devido”, afirma. Em seguida, um profissional especializado deve ser consultado.
Diálogo salva vidas
Diante disso, especialistas ressaltam que o diálogo salva vidas e ele pode ser feito entre familiares, amigos e especialistas, como psicólogos, terapeutas e médicos psiquiátricos. Há também entidades que prestam o serviço gratuitamente para facilitar o acesso da população, como:
Grupo Amor Vida
O Grupo Amor Vida (GAV) presta um serviço gratuito de apoio emocional a pessoas em crise através do telefone 0800 750 5554, sem identificador de chamadas. Assim, a pessoa pode ligar sempre que quiser e precisar. O horário de funcionamento e das 7:00 às 23:00, inclusive sábados, domingos e feriados.
Conte a ajuda também por e-mail: precisodeajuda@grupoamorvida.ong. Mais informações no site.
Centro de Valorização da Vida
O CVV (Centro de Valorização da Vida) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas todos os dias.
Você pode conversar com um voluntário do CVV ligando para 188 de todo o território nacional, 24 horas todos os dias de forma gratuita, ou enviar o email por este link. Você pode enviar uma carta ou conversar pessoalmente com um voluntário do CVV em horário comercial. Consulte os endereços dos postos aqui e acesse o site oficial neste link.
Psicologia UFMS
O curso de psicologia da UFMS oferece gratuitamente aos adolescentes e adultos da comunidade externa o Plantão Psicológico em Campo Grande. A iniciativa do curso de Psicologia é voltada a pessoas em situação de emergência psíquica.
Não é preciso agendamento prévio, os interessados devem comparecer ao SEP, que fica ao lado do Instituto Integrado em Saúde (Inisa) e da Faculdade de Odontologia (Faodo) na Cidade Universitária da UFMS, levando um documento de identificação. O atendimento é por ordem de chegada. Confira mais detalhes aqui.
Psicologia Uniderp
Os acadêmicos do curso de psicologia da Uniderp prestam atendimento psicoterapêutico à comunidade de Campo Grande. A clínica-escola abre de segunda a sexta-feira, nos períodos matutino e noturno. Para ter acesso ao serviço, é necessário fazer o agendamento pelos telefones 67 3348-8394 ou diretamente na recepção da clínica, que fica na rua Ricardo Brandão, n. 900.
Psicologia UCDB
A Clínica-Escola da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) também realiza atendimentos de psicologia. Os cadastros para consultas devem ser feitos pelo telefone (67) 3312-3705 e mais informações podem ser obtidas neste link.