Já o ECA dá preferência por manter os três irmãos retirados dos pais que são dependentes químicos
Há quase cinco meses, os tios-avós de um menino de 2 anos acolhido em abrigo de Campo Grande esperam decisão da Justiça sobre adoção da criança. Ele e os irmãos foram retirados da guarda dos pais biológicos, ambos dependentes químicos, após o mais velho ser agredido a pauladas pela mãe.
“Dar o amor, a família e o lar que ele nunca teve. É isso que queremos”, diz a tia, Fernanda Santos, 33. Ela e o marido, Eudes Martins, 42, moram em Itapevi, na região metropolitana de São Paulo. Eles estão angustiados, esperando que o menino saia do abrigo e vá logo para lá.
No casamento anterior, Eudes teve três filhos que são maiores de idade e não vivem com ele. Já Fernanda tem um adolescente de 13 anos também de outra relação, que mora com o casal.
Querem que o sobrinho-neto seja o membro mais novo da família em São Paulo. “É muito triste não podermos tirar do abrigo e fazer alguma coisa por ele. Compramos todas as coisinhas já. Está tudo pronto para recebê-lo”, conta a tia.
Cadeirinha para o carro, roupas e sapatos foram comprados. Tudo está guardado e nunca foi usado pelo menino. Os tios-avós planejam até se mudar para uma casa maior, só para o sobrinho-neto ter mais espaço para brincar. “Ele é um príncipe. Merece uma vida melhor”, apela Fernanda.
Eudes é irmão do avô do menino. Trabalha na manutenção de residências e de um hospital, além de receber aluguéis de imóveis dos quais é proprietário. Fernanda é dona de casa e diz estar à disposição para cuidar bem da criança. “Conseguiremos dar tudo o que ele precisa aqui”, ela garante.
Separar os irmãos – Os tios-avós procuraram as Defensorias Públicas de São Paulo e Mato Grosso do Sul para pedir formalmente a adoção do mais novo. No meio do processo, se depararam com uma dificuldade, que é a preferência pela não separação dos irmãos prevista na Lei da Adoção e no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). “Conselheira e defensora nos disseram que é muito difícil o juiz permitir que sejam adotados separadamente”, afirma a tia.
Eudes e dois irmãos chegaram a fazer um acordo informal, para que cada um fique com uma das três crianças. As outras têm quatro e seis anos. Os outros familiares recuaram. Só o de São Paulo permaneceu com a intenção de ficar com o mais novo.
Nesse meio-tempo, a guarda das três crianças juntas foi delegada a uma tia de Campo Grande. Segundo Fernanda, ela desistiu por não ter condições de ficar com os meninos. “Isso nos deu uma ‘canseira’ ainda maior, porque ela e outros tios assinaram a desistência da guarda, os meninos foram retirados de lá e a Defensoria precisou ‘refazer’ todo o processo”, relata.
Por mais que quisessem, os tios-avós de São Paulo alegam não ter condições de arcar e se responsabilizar pela criação de três crianças em vez de uma. Acabaram se apegando ao mais novo e querem adotá-lo. “Já que todos os outros tios desistiram, que seja então dada a oportunidade para outras pessoas que não têm filhos e desejam adotar”, fala.
Fernanda revela, ainda, que a situação é mais triste do que aparenta. Os três sobrinhos têm outros irmãos de pais diferentes, que estão sob a guarda do avô materno. “É uma família completamente desestruturada pelas drogas”, lamenta.
Maus-tratos – “É muito sofrimento daquelas crianças. Eles viviam jogados na rua com a mãe e já passaram por muita coisa ruim”, resume Fernanda. Agredido com um pedaço de pau em abril deste ano, o de 6 anos foi internado na Santa Casa de Campo Grande. Seu estado era grave porque havia pregos na ponta, que perfuraram sua cabeça, rosto e orelhas.
Segundo a tia-avó, o menino teve alta e está bem, mas só fisicamente. “Está bem, mas na medida do possível, né?! Passa por psicóloga. Está traumatizado e voltou a fazer xixi na cama”, conta.
O menino que se disponibilizam a adotar vai completar três anos no final de setembro. “Que não tirem esse momento da família. Queremos fazer uma festa bem linda de aniversário”, pede a tia.
Revitimização – Presidente da Comissão de Direito da Família da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso do Sul), Paula Guitti Leite, confirma que o ideal é os irmãos permanecerem juntos para o vínculo deles ser mantido e se evitar a revitimização das crianças, que já sofrem pelo “fracasso parental” por parte dos pais e por parte da tia que desistiu da guarda.
“As crianças já estão sofrendo a separação dos pais e a quebra da unidade familiar. Então, deveria se primar ao menos pelo vínculo como irmãos”, afirma. Leite também explica ser do melhor interesse jurídico deles, princípio constitucional a partir da interpretação do ECA, ficarem unidos e serem entregues aos cuidados da família biológica ou de pessoas com quem já tenham afinidade e ligação afetiva, mesmo que não sejam parentes.
A advogada reconhece, entretanto, que a maioria das famílias brasileiras não têm condições financeiras de adotar e criar três crianças. Por isso, se não encontrados interessados aptos no Brasil, uma família estrangeira poderá fazer a adoção.
“Após haver destituição do poder familiar e haver trânsito em julgado, procura-se adoção pela família extensa, o que inclui pessoas próximas com quem tenham afinidade e afetividade. Não encontrando, é que se procura adotantes no cadastro nacional de adoção. E, não havendo também, opção é famílias estrangeiras cujo país de residência seja inscrito na Convenção de Haia”, conclui a presidente da comissão da OAB/MS.
Pedido de adoção – A assessoria de imprensa da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul foi questionada sobre o andamento do pedido de adoção do menino de 2 anos, e se o caso abre exceção à regra de não separar os irmãos, mas não houve resposta até o momento.