O bombardeio de amor acontece quando alguém te enche de atenção e carinho no início de uma relação e, logo depois, muda completamente. À Marie Claire, a psicóloga Renata Alex explica como o comportamento pode desencadear um relacionamento abusivo
Imagine o seguinte cenário: você conhece uma pessoa que se envolve rapidamente. São demonstrações de afeto intensas que vão além dos elogios e passa até a um “eu te amo”, tudo isso em questão de dias. Mas, quando finalmente consegue te conquistar, as coisas esfriam ao ponto de ela não se parecer com nada do que era no começo. Essa situação, que muita gente pode ter passado, ganhou um termo: love bombing.
O bombardeio de amor acontece quando alguém – geralmente um parceiro romântico – te enche de atenção e carinho no início de uma relação. O que pode ser visto apenas como um gesto romântico de uma paixão arrebatadora, tem perigo de ser potencialmente abusivo.
A vítima, então, passa a contar com essas demonstrações intensas de amor, como uma espécie de dependência, já que ela foi “condicionada a esperar por esses gestos e a responder a eles positivamente”. “Assim, o cenário está montado para que o manipulador exerça controle sobre o alvo de sua manipulação.”
A situação aconteceu com a designer Maria*, de 23 anos. “Conheci meu ex-namorado Luiz* em um aplicativo de relacionamento. Ficamos juntos por uns quatro meses e, assim como tudo começou muito rápido, acabou também”, lembra. Ela conta que passou por um exemplo de love bombing com ele: “Conversamos intensamente por três semanas por mensagens e ligações. Ele sempre me elogiava, falava que eu era bonita, prestava atenção também na minha inteligência, não somente no físico.”
“Como era época de pandemia, o nosso primeiro encontro aconteceu de máscara e a primeira coisa que fizemos quando nos vimos foi retirar as máscaras e nos beijarmos”, recorda a jovem. O date seguiu como idealizado por Maria, que manteve as expectativas altas por conta do próprio ex: “Ele dizia que nosso encontro seria perfeito e realmente foi”. O que ela não esperava era que Luiz a pediria para ficar sério logo quando se conhecessem: “Eu hesitei um pouco, pois achei que estávamos dando um passo maior do que a perna, mas tinha gostado tanto dele que pensei ‘por que não?’.”
Foi logo no segundo encontro que a designer ouviu um “eu te amo” saindo da boca do rapaz: “Na minha cabeça racional, eu estava pensando: ‘Corre, porque ninguém pode amar alguém tão cedo assim’, mas ao mesmo tempo eu queria muito ser amada, sabe?”. Já no terceiro encontro, Luiz planejou o dia para que Maria conhecesse seus pais: “Falei para ele que estava achando muito rápido, não estava preparada para isso. Mas ele ficou muito bravo, questionando o motivo de estarmos juntos. Me senti pressionada e cedi.”
“Minha vida começou a se basear na dele. Ele começou a se incomodar porque meu emprego pagava mais que o dele. Achava que eu tentava ‘ser melhor’, mas não era nada disso. Começou a ser rude e reclamava quando eu demonstrava meu carinho, o que não acontecia anteriormente”, diz.
Maria resolveu colocar um ponto final na relação quando a situação ficou insustentável. “Desde então, tenho muito medo de demonstrar meu sentimentos para as pessoas e às vezes me seguro muito em relação ao amor”, lamentou.
Quando demonstrações de amor intensas podem ser um problema?
A terapeuta Renata Alex diz que esses atos passam a ser uma complicação quando sufoca e prejudica uma relação ou quando vira dependência. “As pessoas têm jeitos diferentes de expressar e receber amor, então é importante que numa relação saudável o casal converse bastante para identificar os padrões de cada um e estabelecer um ‘meio termo’ confortável para os dois.”
“Do mesmo jeito que quando o receptor dessas demonstrações se percebe dependente desse comportamento – quando só se sente bem e ‘normal’ quando recebe a enxurrada de carinho e atenção, e quando ela não está ali se faz de tudo para que volte a receber o bombardeio – já temos uma relação prejudicada e nada saudável”, justifica.
Diferença entre “love bombers” e “emocionados”
“De uma maneira geral, para não confundirmos os ‘love bombers’ com os ‘emocionados’, precisamos falar sobre tempo e limites”, explica Alex. “Quando a pessoa recebendo o bombardeio percebe um exagero no afeto sem embasamento para isso, como declarações profundas e planos de casamento logo na primeira semana de relacionamento, já é motivo para se ficar atento”, observa ela. A psicóloga diz que relações saudáveis, até para os mais intensos, se constroem com o tempo.
“É importante, quando se identificar intensidade nos comportamentos, sinalizar e estabelecer alguns limites e perceber como o outro reage. Se há uma paixão intensa genuína, um desejo real de estar junto e continuar a construir aquela relação e a comunicação for boa, as chances do outro compreender e começar a agir mais comedidamente são grandes.”
Como saber se estou passando por um bombardeio de amor?
Existem algumas diretrizes que podem ser usadas para perceber se o bombardeio de amor pode ser manipulação ou não. Aqui estão algumas perguntas a serem feitas, segundo Alex:
- Há uma cadência lógica para os comportamentos da pessoa? Ou o “eu te amo” que você ouviu veio no segundo encontro, quando nem deu tempo da pessoa te conhecer o suficiente para tirar essa conclusão?
- Você se sente controlada por mensagens/ligações, a pessoa sempre quer saber onde você está e com quem, “em nome do amor e da preocupação que sente”?
- Você recebe presentes ou gestos de carinho constantes que a fazem se sentir obrigada a compensar de alguma maneira?
- Você se sente isolada dos amigos e família por causa dessa outra pessoa, que quer estar grudada com você (e somente com você) o tempo todo?
- O que acontece quando não corresponde ao esperado pela outra pessoa – você para de receber o bombardeio de carinho e afeto?
“Gosto de utilizar um famoso ditado que diz ‘quando a esmola é muita, o santo desconfia’ – não é necessário um exagero de desconfiança no outro, mas um pouquinho de cautela nunca é demais”, finaliza.
*Os nomes foram alterados à pedido da entrevistada