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Até “status de relacionamento” padrasto cobrou de mãe após morte de enteada

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Stephanie de Jesus, 24, revelou estar confusa, mas disse “sim” para marido logo depois de constatação do óbito

 

Seis meses já se passaram desde a morte da garotinha campo-grandense, de 2 anos e 7 meses, que chocou o Brasil, mas detalhes do inquérito ainda surgem na instrução do processo. O diálogo travado pelo casal em 26 de janeiro, dia da constatação do óbito e prisões, pode ser bastante esclarecedor. A conversa, possivelmente, será usada tanto pela acusação quanto pelas defesas dos réus para a sustentação de suas teses sobre o que aconteceu naquela quinta-feira.

Enquanto há meses atrás, policiais do GOI (Grupo de Operações e Investigações), que deram o start nas apurações do caso, tiveram acesso às mensagens trocadas entre Christian Campoçano Leitheim, 25, acusado de espancar a enteada até a morte, e a mãe da criança, Stephanie de Jesus da Silva, 24, pelo celular destravado pela própria jovem, agora, três horas de diálogo do casal no WhatsApp foram extraídas do telefone da ré pelo Instituto de Criminalística. Laudo foi entregue às Justiça no dia 24 de julho.

Para a Polícia Civil, Christian e Stephanie tentaram combinar versão sobre o ocorrido, o que indica que eles já sabiam que a vítima estava morta quando decidiram leva-la para UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Bairro Coronel Antonino. Mas, toda a troca de mensagens de texto e áudio revela muito mais da tensão entre os dois, naquele dia.

Stephanie diz mais de uma vez que está confusa. “Eu não tô raciocinando direito”, diz. Christian a pressiona o tempo todo para saber o que está aconteceu no posto de saúde, dizendo que vai sair da vida da mulher e até perguntando sobre o futuro do relacionamento deles. Quando ela pede ajuda, ele nega: “Não vou servir de nada aí. Só para ser preso”.

Apesar do nervosismo, há dois momentos que os dois se preocupam em usar o português corretamente. Ela escreve que está “passando mau” e depois corrige a última palavra “mal”. Ele, por sua vez, corrige o “mas” escrito no lugar de “mais”.

 

Áudios trocados entre Christian e Stephanie, conforme relatório de investigação da Polícia Civil. (Foto: Reprodução)

 

Primeira transcrição – Em junho, o Campo Grande News trouxe reportagem com parte da conversa que foi parar no relatório do GOI, trecho que se passa em cerca de 20 minutos, logo após a “descoberta” da morte pelo casal. Nesse curto espaço de tempo, Christian fala em suicídio pelo menos quatro vezes.

“Falaram que ela* morreu… faz tempo”, diz a mãe por áudio, chorando, conforme descrito no relatório. “Não… Não… Mentira velho…”, responde Christian, que, neste momento, chega a “admitir culpa” pela morte da enteada. “Eu sou um lixo de pai, eu sou um lixo” e “É tudo culpa minha, tudo culpa minha. Eu vou me matar” são algumas das frases ditas por ele.

Stephanie fica em silêncio, mas ele continua: “É tudo culpa minha, desculpa. Eu vou sair da sua vida”.

Aparentemente pressionada por todo o contexto e pela chegada de policiais à UPA, parte da mãe a iniciativa de combinar versão sobre o ocorrido com a criança: “Os policiais estão aqui. Que que eu faço?”.

Ele devolve a pergunta: “Do que?”. “Por causa dos hematomas”, afirma a mulher e no minuto seguinte, Christian faz mais uma ameaça de suicídio: “Eu não sei, inventa algo. Ou me manda preso. Fala que se machucou no escorregador do parquinho. Igual da outra vez. Me manda preso. Me responde, cara. Tô indo me matar no pontilhão”, diz, ressaltando que o casal já havia passado por situação semelhante e mentiu.

“Eu vou me matar. Tô saindo. Não vou levar o celular, nem identidade, pra quando me acharem, demorar para reconhecer ainda. Desculpa, Stephanie”, diz Christian.

“Status do relacionamento” – Ele não para de enviar mensagens: “Vou sair da sua vida. Eu sei que depois de hoje a gente não vai mas [sic] conseguir ficar juntos”. Mas logo, no mesmo minuto, ele muda de ideia sobre tirar a própria vida: “Me manda preso pra eu pelo menos me sentir menos culpado. Se eu tivesse te escutado aquela hora, ela tava [sic] bem agora”.

A mãe da criança ignora e faz outra revelação: “Disseram que ela foi estuprada”. O marido nega, manda várias mensagens e três áudios seguidos, enquanto Stephanie explica que estava falando com polícia e Christian insiste em saber se os dois estão juntos ainda: “Você quer ou não continuar comigo? Eu tô quase saindo para fazer merda. Depende da sua resposta”. Ela responde com o sucinto “sim”.

O padrasto diz que vai sair de casa para dar uma volta, depois volta a querer saber o que está acontecendo na UPA e Stephanie explica que não está podendo mexer no celular. Ele afirma que até pensou que ir até o posto de saúde, mas desistiu, e insiste: “Você não que mais ficar comigo né?”. A mulher afirma que quer, mas não está conseguindo pensar direito.

“Você tem certeza? Eu ia descer pra ficar aí contigo”, questiona Christian pela terceira vez e Stephanie confirma que os dois ainda são um casal. “Quero. O Jean [pai da menina] acabou de chegar aqui chorando”.

Tudo termina quando a mãe da vítima diz para o marido não aparecer: “Amor, não vem por enquanto tá? Só se eles pedirem”. “Tomara que não”, finaliza o então suspeito.

O crime – Na tarde do dia 26 de janeiro deste ano, a menina deu entrada na UPA do Coronel Antonino, no norte de Campo Grande, já sem vida. Inicialmente, a mãe, que foi até lá sozinha com a garota nos braços, sustentou versão de que ela havia passado mal, mas investigação médica apontou lesões pelo corpo, além de constatar que a morte havia ocorrido cerca de quatro horas antes de chegar ao local.

O atestado de óbito apontou que a menininha morreu por sofrer trauma raquimedular na coluna cervical (nuca) e hemotórax bilateral (hemorragia e acúmulo de sangue entre os pulmões e a parede torácica). Exame necroscópico também mostrou que a criança sofria agressões há algum tempo e tinha ruptura cicatrizada do hímen – sinal de que sofreu violência sexual.

O padrasto responde pelo homicídio e pelo estupro. Já a mãe da menina, pelo assassinato, como o Christian, mesmo que não tenha agredido a filha, mas porque, no entendimento do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), ela se omitiu do dever de cuidar.

Na delegacia, Christian optou por exercer o direito ao silêncio. Já Stephanie afirmou que o companheiro batia na filha como forma de correção, mas negou que ele tivesse espancado a enteada naquele dia. Ela alega que nunca denunciou por medo do marido, já que também era vítima de violência doméstica. Os dois ainda não foram interrogados em juízo.

A morte jogou luz sob processo lento e longo que a menina protagonizou com idas frequentes à unidade de saúde, tentativa do pai em obter a guarda após suspeita de que a criança era vítima de agressão e provocou série de audiências públicas, protestos e mobilização para criação da Casa da Criança, bem como soluções ao falho sistema de proteção à criança e ao adolescente em todo o Brasil.

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